Futuro das editoras: como os jornais ou as agências de publicidade?
PublishNews, 20/03/2013
Futuro das editoras: como os jornais ou as agências de publicidade?

Uma das grandes bases do meu raciocínio sobre a mudança digital no mercado editorial é entender que livros são diferentes de outras mídias – música, TV, filmes, jornais, revistas. Até agora reconheci duas grandes distinções estruturais: o paradigma da “unidade de apreciação, unidade de venda” e a dependência de outras mídias na publicidade. (Filmes são os mais similares a livros neste aspecto. A maior diferença entre os dois está na quantidade de pessoas e dinheiro empregados nas produções de ambos).

Acabei de ver uma série de artigos (primeiro; segundo; e terceiro) feita por um pensador digital chamado Steve Gray, Diretor de Estratégia e Inovação da Morris Communications Company, que, apesar de estar mais centrado em jornais, contém ideias que são úteis para outras mídias, inclusive livros. Mas, quanto mais penso sobre os posts de Gray, mais vejo que as lições de mudança digital não são necessariamente as mesmas para os livros de interesse geral como são para outras mídias.

A história que Gray conta é familiar para a maioria de nós. Mas enquanto as pessoas do mercado editorial tendem a focar nas mudanças feitas a partir de Gutenberg, a visão de Gray faz da invenção da rotativa de alta velocidade, que deixou os jornais mais baratos a ponto de poderem ser comprados por uma grande massa de pessoas, o momento mais importante.

Rotativas de alta velocidade fizeram com que todas as impressões ficassem baratas para a cópia adicional. No caso do rádio e da televisão, claro, a cópia adicional é grátis. Então todas estas mídias, assim como filmes, que usavam a escala de uma forma levemente diferente, amortizavam os custos de criação de conteúdo pelo consumo do “mercado de massa”.

Se Karl Marx tivesse escrito um pouco depois, poderia ter visto que controlar os “meios de distribuição” tinha se tornado tão importante quanto o controle dos “meios de produção”.

Para jornais, revistas, TV e rádio, a capacidade de distribuir conteúdo de produção cara para audiências massivas criou enorme rentabilidade com publicidade. Como Gray documenta, isso levou à agregação, empacotamento, combinação de material em pacotes que eram eficientes para o meio publicitário distribuir. Isso foi uma “unidade de venda” que era a mais eficiente que poderia ser por um período de uns 150 anos, de 1850 até alguns poucos anos atrás.

E foi isso que a Internet destruiu. Porque agora o mecanismo de distribuição desse conteúdo de produção cara é exatamente o mesmo que o mecanismo de distribuição de qualquer conteúdo. No mercado editorial, estamos vendo a disputa entre o “comprado em lojas” e o “comprado online” (que é um canal aberto a todos nós).

Gray chama isso de uma mudança da “era da mídia de massa” para a “era da mídia infinita”.

Mas quando Gray continua com sua análise, apresenta o que parece ser uma contradição para a ideia de fragmentação das audiências que ele afirma existir. Em um dos gráficos, Gray apresenta um dos mercados em que sua empresa tem um jornal, e mostra como as visitas se distribuem entre os 70% top do tráfego, antes de alcançar a “cauda longa”. Bem mais do que metade das visitas nos top 70% são para três domínios: Facebook, Google e YouTube. Acrescente Yahoo, Yahoo Search e Bing, e você cobriu mais de 75% deste tráfego.

Obviamente, a parte do jornal local é mínima.

Dentro do tráfego agregado dos grandes sites, claro, a aparente anomalia aparece e os interesses se fragmentam. Muitas das, digamos, dez mil pessoas no site do NY Times verão o mesmo conteúdo. Dez mil pessoas no Facebook não poderiam coincidir; dez mil pessoas procurando no Google ou no YouTube não poderiam conter repetições também. Estes sites descobriram como agregar e mostrar uma vasta quantidade de conteúdo (gerado por usuários ou algoritmos). Agregadores como jornais ou estações de rádio simplesmente não conseguem competir.

Como Gray aponta, a tendência dos sites agregadores é se compararem uns aos outros. Se o jornal numa cidade está gerando mais tráfego que a maior estação de rádio, elas poderiam declarar vitória. E se isso realmente definiu seus concorrentes por audiência ou dólares de publicidade, esta comparação seria suficiente e válida.

Mas Gray também deixa claro que os anunciantes que o jornal ou a estação de rádio poderiam tentar conquistar vão encontrar alternativas localmente eficientes nos domínios globais. E Gray não apóia muito a ideia de que os sites locais possam ter conteúdo único que crie visitantes leais. O que ele vê nas estatísticas é que as pessoas acham as “notícias” entre seu círculo social, ou seja, no Facebook, muito mais interessantes do que as “notícias” locais, do jornal local. E o primeiro pode levar ao último, mas raramente o contrário acontece.

Se o principal argumento de Gray for verdade, é um nocaute nos jornais, e contém alguns raios de esperança para as grandes editoras que conseguem operar em escala.

Ele vê cinco pontos centrais a considerar:

1. A publicidade digital da mídia de massa deve agora competir com inúmeros espaços publicitários baratos de milhões de sites.

2. O conteúdo da mídia de massa é só uma gota em um oceano infinito.

3. O tamanho do público digital de sites de mídia de massa local é limitado pelos grandes players digitais que conseguem atender a necessidades e interesses de forma mais individualizada.

4. A mídia social está destravando o desejo e capacidade enormes das pessoas de trocar informações relevantes em termos pessoais.

5. O targeting digital está fornecendo as ferramentas para chegar às pessoas através de milhares de sites e bilhões de pequenas redes.

Mas este micro-targeting poderia afetar jornais, revistas, estações de rádio e TV de forma diferente da que afeta as editoras. E isso porque, quando se trata de publicidade, as editoras de livros estão, de certa forma, no lado oposto da cerca destas outras mídias.

Estas mídias não constroem um público para cada publicação como fazem as editoras a cada novo livro (e isso é verdade de certa forma mesmo para editoras verticais). Elas estão tentando vender audiências cativas para os publicitários; nós no mercado editorial estamos tentando encurralar audiências disparatadas. Isso nos torna mais parecidos com os publicitários de jornais do que como os jornais em si.

Quando tive a chance de trazer o diretor digital de Obama, Teddy Goff, para o palco da Digital Book World, fiz isso porque achei que as técnicas de micro-targeting que eles praticaram durante a campanha presidencial tinham algo para nos ensinar. Ele me causou uma forte impressão, e provavelmente em muitas pessoas na audiência da DBW, quando falou que a equipe de Obama tinha descoberto bem cedo que poderiam chegar a todo eleitor que precisavam alcançar nos Estados Unidos através das pessoas no Facebook que já estavam em contato com eles.

Com o avanço da revolução digital, cada um de nós cria nossos gráficos sociais. Aparecemos em sites diferentes, tornando públicos nossos interesses. Agregar dados do Facebook (entre outros, como GoodReads e LinkedIn) ajuda a construir bancos de dados de consumidores catalogados, que Steve Gray vê como um substituto muito mais barato para os publicitários que pagar por espaço no site de um jornal.

Essa é uma ameaça existencial a toda mídia que vive de anúncios.

Mas poderia ser a salvação das editoras de livros de interesse geral, se os grandes players conseguirem dominar as habilidades e construir o repositório de informações e ferramentas rapidamente.

Mas ainda há aquela incômoda concorrência “infinita” dos players menores – autores e editoras – que vão arrancar alguns leitores de livros. Claro, este risco também poderia ser uma oportunidade. Se uma ou duas (duvido que cinco ou seis) grandes editoras desenvolverem estas capacidades de escala, elas poderiam ter um poder de barganha importante em relação aos donos das editoras pequenas (ou aos títulos autopublicados), quando o “poder” que têm agora – o de conseguir colocar livros nas livrarias – perder seu valor.

Onde as editoras de livros de interesse geral estarão nos próximos cinco ou dez anos não está nada claro.


Tradução: Marcelo Barbão

[19/03/2013 21:00:00]