Repensando o preço dos e-books
PublishNews, 20/09/2012
Repensando o preço dos e-books

Será que eu entendi errado o efeito do impacto do Departamento de Justiça sobre os preços dos e-books? Será que a eliminação das faixas de preços exigida pela Apple poderia ser tão boa para as editoras, que soltar as restrições sobre os descontos não significaria um problema para o mercado?

As primeiras evidências parecem apontar por este caminho, mas precisamos enfatizar a palavra “primeiras”.

Cader escreveu antes de todo mundo (ele me contou em conversas antes de publicar seu post, mas obviamente eu não entendi muito bem), que a capacidade das editoras de aumentar os preços dos e-books e ignorar estas bandas seria um poderoso antídoto para a capacidade das livrarias de oferecer descontos.

Quando os títulos da HarperCollins apareceram na Amazon e outras livrarias com descontos, os primeiros relatórios não focavam no fato de que o preço base, antes dos descontos, tinha aumentado para muitos dos títulos.

Cader fez o trabalho necessário para uma boa análise: pegou a lista de preços do site da Harper (mostrando que eles tinham sido “reposicionados” para uma faixa superior, assim o desconto de 30% não mudaria os preços ao consumidor) e fez uma verificação de preços em várias contas.

Esta verificação contradiz minha especulação inicial sobre a precificação. Pensei que a Apple seria desafiada a manter sua postura: na verdade, eles eram, às vezes, os líderes dos preços baixos, superando (no momento em que Cader fazia sua pesquisa) a Amazon em vários títulos.

Então, agora que seu sentinela quase sempre confiável percebeu a estratégia razoavelmente óbvia (fico envergonhado de dizer isso, pois é uma circunstância que frequentemente me leva a dizer que não é incomum que pessoas inteligentes façam coisas tontas) de que as editoras aumentariam os preços do modelo de agência, digo o que poderemos ver no futuro.

1. Teremos, num futuro previsível, uma cadeia de suprimento de e-books dividia em três. Assumindo que a Hachette e a S&S empregarão a estratégia da Harper de aumentar os preços para que os descontos das livrarias os tragam de volta ao patamar original que o modelo de agência tinha estabelecido, teremos:

a) três editoras com modelo agência “leve” (mais uma vez, tiro o chapéu a Cader por esta descrição), com preços nas livrarias mais altos e descontos;

b) três editoras com modelo de agência “verdadeiro”, com preços mais baixos, pelo menos por um tempo, que não podem ser mexidos pelas livrarias; e

c) todo o resto, vendendo principalmente sob o modelo “distribuidora” a preços de lista ainda mais altos, mas fornecendo 2/3 de margens para que as lojas usem para descontos.

Isto levanta a questão de por que uma editora iria manter os termos da distribuidora – que exige colocar um preço de varejo totalmente irreal – a menos que enfrente alguém na cadeia de suprimento que não concorda em vender seus e-books sem conseguir 50% do preço listado. Eliminar o MFN (preços uniformes em todas as livrarias) faz com que a principal distinção entre agência e distribuidora seja que os e-books de agência tenham um preço de varejo sensível e defensivo, colocado pela editora, enquanto que o modelo distribuidora não permite isso. (E isso também é verdade com o aumento dos preços, apesar de um pouco menos.)

2. Os descontos que foram mostrados nos livros da Harper (também pesquisados por Cader) tinham entre 5% e 30% de desconto sobre o preço da editora, ou seja, o bom e velho $9,99. Esta é a precificação simples, colocada por seres humanos. Nem começa a testar os limites máximos que as livrarias podem fazer com descontos. Elas têm a permissão de dar descontos nos e-books de uma editora até a margem total do que ganham. Assim, para uma editora que funciona com modelo de agência de 30%, todos os livros que são vendidos em margens positivas (qualquer coisa com menos de 30% do preço total) contribui para sua capacidade de dar descontos abaixo dos custos em outros livros, se eles quiserem.

3. As editoras que assinaram o acordo têm importantes vantagens sobre suas concorrentes. Não estão restritas pela faixa de preços da Apple. Como aumentaram os preços, estão ganhando mais por unidade vendida, e como as livrarias estão recebendo uma margem menor, não estão aparecendo como menos competitivos para os clientes.

4. A Random House, que ganhou muito no ano seguinte à implementação do modelo de agência, pois continuou vendendo como distribuidora – manteve seus lucros por unidade mais altos e os preços de varejo mais baixos do que as outras editoras –, agora se encontra do outro lado. Eles, junto com a Macmillan e Penguin, que continuam o litígio, agora vêem que as editoras que assinaram o acordo estão com uma vantagem competitiva. (Claro, todas estas editoras podem reconsiderar seus preços e termos quando terminar os atuais contratos com as livrarias.)

5. Eu especulei que a Apple encontraria dificuldades para competir. Os primeiros retornos dizem que estou errado, mas ainda não estou convencido. Era possível gerenciar à mão os descontos nos recém-liberados títulos da Harper; não eram tantos títulos. E a Amazon ainda não atacou isso agressivamente. (Atacar agressivamente significaria dar descontos de mais de 30% em muitos títulos.) Ainda acredito que eles vão fazer isso (apesar de que outras pessoas, especialmente Chris Meadows da The Digital Reader, acham que não vão.) Se a Amazon forçar a barra nos descontos, então seriam necessários bots e algoritmos para acompanhá-los.

6. Há uns dois anos, um executivo da Amazon me contou que eles davam descontos grandes em 4% dos títulos que representavam 25% das vendas. Eu assumiria que o desconto que as livrarias vão querer dar agora se estenderia a uma faixa de títulos parecida. O que estamos vendo agora é uma entrega de, normalmente, 1/3 ou 2/3 da margem delas neste grupo de títulos. Abrir mão de 2/3 da margem em 25% das vendas só iria constituir um sacrifício de 16,7% da margem total. Se parar por aí, então o impacto líquido imediato do processo do Departamento de Justiça seria um aumento nos ganhos das editoras, uma redução pouco problemática nas margens para as livrarias, e algo bem perto à neutralidade dos preços para os consumidores.

Note que, se uma livraria escolheu aceitar 20% negativo de margem nestes 25% das vendas de qualquer editora em especial (vendendo cerca de 50% abaixo do preço da editora), eles ainda estariam obedecendo ao acordo de não dar mais margem do que ganharam sobre a lista de uma editora. (Esta é uma comparação complicada porque muito mais de 25% das listas das Seis Grandes entraria nos 25% do total que a Amazon anteriormente dava fortes descontos.)

Este tipo de desconto poderia ser problemático. É importante lembrar que o impacto dos descontos na mudança das vendas de impressos para digitais era a menor das preocupações das editoras em relação aos grandes descontos da Amazon. A maior preocupação era o medo de que os descontos dessem um peso enorme no mercado a ponto de que a Amazon pudesse ditar os termos dos acordo. Se os níveis de descontos que ocorrem não contribuem significativamente nem para criar dificuldades econômicas para outros players, nem aumentar a parte da Amazon, não há preocupações para as editoras.

7. Toda editora, exceto as que mantêm o modelo de agência pura, estão, na verdade, contando que as lojas dêem descontos em seus e-books. Os distribuídos pelo modelo de distribuidora sempre estavam colocados em níveis que pareceriam ridículos à maioria dos consumidores e agora os que usam o modelo de agência "leve" estão contando, da mesma forma, com que as livrarias sacrifiquem suas margens para manter seus preços competitivos.

Ainda não acho que a coisa vá ficar assim. Vou admitir antecipadamente que vai me parecer espantoso se a Amazon deixar que a Apple, ou qualquer outra, roube seu posto como a livraria com os preços mais baixos. Mas nos primeiros momentos desta nova era dos e-books, não estamos vendo os descontos que eu esperava. E não estamos conseguindo o resultado que o Departamento de Justiça queria: menores preços para os consumidores.

Tradução: Marcelo Barbão

[19/09/2012 21:00:00]