A aquisição de 45% da Companhia das Letras por parte da Penguin, editora do grupo britânico Pearson, marcou a chegada de uma das seis maiores empresas editoriais do mundo no mercado brasileiro de livros gerais. É a primeira vez que uma das chamadas “Big Six” – rol que inclui Penguin, Hachette, HarperCollins, Random House, Macmillan e Simon & Schuster – e que uma editora com operações na Inglaterra e Estados Unidos investe diretamente no Brasil, no chamado segmento “trade”. A notícia sobre o negócio, divulgada na segunda-feira, foi recebida por participantes do mercado editorial brasileiro como um fato que atesta a maior profissionalização do setor e, ao mesmo tempo, acelera esse processo. E também levantou uma pergunta crucial sobre o futuro das editoras no país: a chegada de uma das “Big Six” é um fato isolado ou o primeiro passo de um movimento maior?
“Fazia algum tempo que não surgia um fato dessa relevância no mercado editorial brasileiro”, afirma Marcos Pereira, fundador e sócio da Sextante, sobre a venda de parte da Companhia das Letras para o grupo inglês. Segundo ele, a grande novidade é a entrada inédita de uma editora de origem anglo-saxã no mercado brasileiro de obras gerais. De forma geral, Pereira avalia que o negócio aumenta o profissionalismo e tende a acirrar a competição a médio prazo. Mas, de imediato, agita as editoras concorrentes. “Com essa notícia, todo mundo sai um pouco da zona de conforto e fica mais atento.”
O negócio também faz conjecturar qual será a evolução do mercado. “É interessante pensar sobre o impacto que a notícia tem para os concorrentes da Penguin. Será que eles vão olhar para o Brasil e pensar: tem oportunidades para nós também?”, diz. A indagação também vale para os concorrentes da Companhia das Letras. “É natural pensar: será que eu também posso me associar a um desses grandes grupos internacionais?”. Segundo Pereira, embora o Brasil esteja sendo visto no exterior como a “bola da vez”, não existe neste momento um interesse perceptível nas editoras nacionais por parte de outros grupos estrangeiros – pelo menos não como houve há alguns anos, quando empresas como LeYa e, antes, a Planeta, buscaram chegar aqui via aquisições, e depois acabaram montando operações essencialmente próprias.
Rui Campos, sócio da rede de livrarias Travessa, do Rio de Janeiro, avalia que a sociedade entre Penguin e Companhia das Letras “é um fato muito importante”. “São duas editoras da maior qualidade e elas têm muito a fazer juntas”, afirma. O livreiro acredita que a associação não vai alterar o relacionamento que a editora brasileira mantém com as livrarias – Campos qualifica a relação como “transparente, simpática e muito parceira”. Mas o negócio levanta uma dúvida sobre o desenvolvimento do mercado de e-books, já que um dos motivos alegados pela Companhia para se associar à Penguin foi a possibilidade de avançar no mercado digital com o expertise da editora inglesa. “O grande mistério, que ninguém sabe, é qual vai ser o futuro dos livros digitais. Mas a Companhia sempre respeitou muito as livrarias e não acredito que isso vai mudar.” A Travessa, que tem sete lojas físicas, por ora não trabalha com venda de e-books.
Para Lucia Riff, dona da Agência Riff, a compra de 45% da Companhia das Letras soou “natural e positiva”, uma vez que a aproximação entre as empresas começou com o lançamento do selo Penguin Companhia, em 2010. Uma das expectativas da agente literária, responsável pelo maior volume de negociações de direitos autorais no país, é que o negócio aproxime o Brasil dos mercados americano e inglês para facilitar a venda de direitos de obras brasileiras. “A aproximação entre executivos e editores em casos como esse naturalmente gera um interesse e um conhecimento maior sobre os autores do Brasil lá fora”, afirma.
Ela explica que, no caso de grandes grupos, há dois modelos para a transação de direitos autorais entre editoras da mesma companhia presentes em territórios distintos. Em alguns casos, cria-se um canal interno para que obras lançadas por uma editora sejam oferecidas com prioridade para outra editora do mesmo grupo. Às vezes, as editoras são obrigadas a adquirir um determinado número de obras de empresas do grupo. Em outros casos, o grupo mantém uma estrutura de agentes literários que inviabiliza essa prioridade ou obrigação, e negocia os direitos autorais em condições de mercado – com instrumentos tradicionais de concorrência, como os leilões.
“Imagino que no caso da Penguin vai ser mantida a estrutura de agentes e que nada vai mudar”, diz Lucia. A Riff representa vários selos da Penguin no Brasil. Durante a coletiva de imprensa para anunciar a nova sociedade, John Makinson, CEO da editora inglesa, disse que “nada muda em relação aos direitos autorais (controlados pela Penguin) vendidos para empresas brasileiras”. Ressaltou, contudo, que é provável aumentar a venda de direitos para a Companhia das Letras. “À medida que vamos criando sinergia, esse é um caminho natural”. Luiz Schwarcz, presidente da Companhia, ressaltou que “a sociedade tem que ser boa para as duas partes” e que a editora brasileira não terá preferência na negociação de direitos.
O mercado brasileiro presenciou, nos últimos anos, a chegada de grupos de diferentes nacionalidades, com destaque para os portugueses e espanhóis, que fizeram aquisições locais ou criaram operações próprias. Um dos casos de referência no segmento de livros gerais é o da Objetiva, que foi adquirida pelo grupo Santillana há seis anos.
Roberto Feith, fundador e presidente da Objetiva, avalia que o negócio foi muito bem-sucedido. “Os maiores ganhos foram a melhoria da gestão e dos processos administrativos da editora, e a aceleração da segmentação dos títulos por meio da criação de vários selos”, afirma. Segundo ele, a editora dobrou de tamanho desde que se associou ao grupo espanhol. Já para o mercado, a principal contribuição desse tipo de sociedade é acelerar a profissionalização, avalia Feith.
Ele ressalta que a Objetiva e seus vários selos têm autonomia total para comprar e publicar no Brasil os livros que escolher, independentemente da aprovação da Santillana. Mas há uma forte troca de informações dentro do grupo. Segundo Feith, os editores dos vários países em que o grupo está presente fazem teleconferências a cada quinze dias para conversar sobre suas apostas em vários mercados. “De qualquer forma, o número de títulos que adquirimos de empresas do próprio grupo é bem pequeno”, diz.