A globalização das editoras e livrarias
PublishNews, 09/02/2011
A globalização das editoras e livrarias

Um dos períodos em que mais aprendi na minha carreira foram os seis anos que passei trabalhando em um programa chamado “Editando no século XXI” junto com Mark Bide e uma equipe no Vista Computer Services (chamado agora de Publishing Technologies). O programa era dirigido pelo então presidente, Denis Bennett, por John Wicker (agora na Tata Consulting Services) e por Martyn Daniels (agora na Value-Chain International). Todo ano escolhíamos um tema ligado à mudança digital, como estrutura organizativa, conteúdo e contexto, etc., e fazíamos pesquisas sobre o assunto. Depois apresentávamos nossas descobertas em um artigo e em conferências.

Acho que foi Martyn que observou que nosso exercício era como “olhar para a mesma casa através de diferentes janelas”. Quer dizer, nosso assunto era sempre o mesmo – mudança digital no mercado editorial – mas ao olhá-lo de diferentes pontos de vista a cada momento chegávamos a observações e ideias diferentes.

E continua sendo assim. O assunto da mudança digital no mercado editorial continua sendo muito fascinante de ser observado, analisado e especulado. E cada vez que você pensa nele a partir de um diferente ponto de vista, vai aprender algo novo, algo que não tinha visto antes.

Toda essa experiência foi crítica para meu próprio desenvolvimento intelectual por duas razões: deu-me tempo subsidiado (ou seja, era pago) para me dedicar explicitamente a pensar no futuro e me colocou em contato com um monte de pessoas inteligentes, dentro da Vista e entre os editores e pessoas no mercado que entrevistamos em nossa pesquisa, para discutir e aprender.

O tópico da mudança digital fora do mercado de língua inglesa apareceu no meu radar em 2008 quando fui convidado para falar em Copenhague para livreiros e editores dinamarqueses. Já naquela época, uma grande porcentagem de livros vendidos na Dinamarca estava em inglês. (Recentemente ouvi a história de que as vendas de livros em língua inglesa na Dinamarca caíram para 25% do total!) Observei na época que a ruptura digital, que faria com que os livros se tornassem disponíveis fora de seus países, resultaria no aumento da invasão de livros em inglês. Parecia, no começo, que os livreiros estariam mais bem adaptados a essa mudança do que os editores porque livreiros não estão tão amarrados a seu idioma.

Tive outra chance de focar em como estão as coisas fora dos EUA e do mundo de língua inglesa quando falei na Bienal do Livro de São Paulo em agosto último. O que serviu como um tapa na cara (um momento tipo “nossa, eu deveria saber disso”) foi a escassez de títulos disponíveis em formato epub em português. Isso significava que os e-books em português eram PDFs, que não funcionam bem para rearranjar texto e são complicados para leitura em aparelhos. O mais óbvio e imediato é que isso atrasa o mercado de e-book no Brasil. Parece também, se pensarmos melhor, que aqueles brasileiros que queiram ler em um e-reader e que sabem inglês encontrarão mais e-books em nosso idioma do que no deles.

Agora, com os EUA alcançando um ponto em que as vendas de e-book são substanciais, fornecendo rendimentos significativos, ameaçando de forma fatal a infraestrutura de distribuição de livros impressos e atrapalhando toda a cadeia de valor editorial que já conhecemos há um século mais ou menos, o resto do mundo sabe que terá de seguir esse caminho. O Reino Unido está começando a tirar o atraso de forma bem evidente – mais porque operam em inglês do que por qualquer outra razão. O resto do mundo ainda não percebeu tanto, mas todos esperamos que comecem em breve. E isso significa que uma mudança perturbadora está chegando para o mercado editorial no mundo e todos estão olhando para a experiência dos EUA para entender a natureza dessa mudança e o que fazer para se preparar.

Já está claro que 2011 vai ser um ano em que passarei discutindo a experiência norte-americana e tentando entender as implicações globais com editores, livreiros e agentes de todo o mundo. Alguns dos planos em relação a isso ainda não podem ser anunciados (serão em breve), mas a primeira oportunidade será na conferência IfBookThen em Milão, onde darei uma palestra em 3 de fevereiro. [Esse texto foi publicado originalmente em 21 de janeiro]

Tive uma percepção (outro momento “dã”) conversando com um executivo de vendas francês sobre o mercado de e-books daquele país há alguns meses. Ele disse que estava defendendo que as livrarias de e-book francesas vendessem títulos em inglês. Por quê? Porque a Amazon, a Apple e a Google (e ele não mencionou a Kobo, mas deveria) estavam oferecendo títulos em todas as línguas para consumidores franceses. Se as livrarias locais não competissem da mesma forma, logo seriam ultrapassadas pelos próprios consumidores.

Então, a realidade com a qual todo mundo precisa lidar é que a disponibilidade de títulos em inglês em epub é superior à de todas as outras línguas e que também estamos exportando uma infraestrutura desenvolvida que pode deixar esses títulos disponíveis em todo lugar e muito rapidamente.

Todos esses players do mercado (e a Kobo, canadense com uma base mundial de investidores) estão analisando títulos em todos os idiomas, possuem uma plataforma multi-device e estão desenvolvendo um mercado de aplicativos focado em conteúdo. Correndo por fora (internacionalmente, quero dizer; eles só vendem para os EUA no momento) com muitas das mesmas capacidades está a Barnes & Noble, que poderia decidir a qualquer momento ser um ator global e teria uma grande infraestrutura e uma base de títulos com a qual trabalhar. Copia, que é nossa cliente, Blio da Baker & Taylor e a Sony também possuem muitos dos componentes necessários para começar.

E todos eles têm o objetivo de conseguir conteúdos exclusivos se puderem.

O que vou contar a quem for à conferência em Milão é o que os livreiros e editores locais deveriam estar pensando em tudo isso já que a mudança digital está atingindo seus calcanhares.

Os livreiros locais devem, como disse o executivo de vendas francês, tentar vender títulos em todas as línguas, principalmente em inglês. (Há ferramentas da infraestrutura norte-americana disponíveis para permitir isso também, especialmente de nossos clientes na Ingram e de nossos amigos de tanto tempo na Overdrive.) Eles têm como fornecer funcionalidades para multi-devices: uma forma simples para comprar e consumir e-books em todos os aparelhos mais populares. Precisam aceitar recursos como empréstimo, notas e dicionários internos. Precisam ter um serviço de atenção ao cliente impecável. E para as livrarias que possuem lojas físicas, devem aprender a lição da distribuição do Nook pela Barnes & Noble de que as livrarias são bastante eficientes na apresentação de leitores aos aparelhos digitais.

Livrarias locais possuem outras vantagens para usar contra os atores globais. Podem fornecer propostas locais para conteúdo e marketing para uso em bibliotecas e instituições. Podem fornecer melhores parcerias para autores e marcas locais. Podem maximizar seu conhecimento de produtores locais de conteúdo, como o desenvolvido por governos, empresas locais e ONGs. E, assumindo que podem ter mais sucesso do que os atores globais na descoberta de conteúdo em seu próprio idioma, podem ganhar bastante vendendo aos clientes de seu próprio idioma globalmente.

Os desafios e as oportunidades são um pouco diferente para editores. Estou querendo conversar quais são elas, bem como entrar em mais detalhes sobre a experiência norte-americana e quais lições podem ser tiradas daí, quando chegar a Milão, no começo do próximo mês.

Enquanto isso, também discutiremos o mesmo durante a Digital Book World. Vamos conversar com um membro europeu da diretoria da IDPF, Cristina Mussinelli, sobre o crescente mercado de e-books em inglês na Europa. Teremos uma sessão moderada pela agente Cullen Stanley com editores dos EUA, da França e da Grã-Bretanha conversando sobre como a divisão de direitos poderiam mudar daqui para frente. Teremos apresentações tanto da Amazon quanto da Google. E, talvez o mais importante de todos, teremos sessões separadas sobre core e enhanced Metadata moderados por Scott Lubeck da BISG, junto com uma conversa entre Lubeck e o consultor Michael Cairns sobre identificadores de e-books. Metadata com precisão e robustez é um ponto nevrálgico para editores com ambições digitais em qualquer lugar do mundo.

Todos os editores são globais agora. Todas as livrarias são globais agora. Os editores e os livreiros que abraçarem essa realidade o mais rápido possível terão as melhores chances de continuar na corrida por mais tempo.

[08/02/2011 22:00:00]