“Cair no conto do vigário”, sabemos todos, significa ser enganado, perder dinheiro em algum golpe. A expressão está tão inserida em nosso vocabulário que poucos estranham a associação entre imagem de um religioso e a enganação. Pois José Augusto Dias Júnior notou a contradição e partiu dela para pesquisar e escrever Os contos e os vigários – uma história da trapaça no Brasil (LeYa, 326 pp., R$ 44,90).
O historiador investiga não apenas a origem da expressão – que não é brasileira – mas suas aplicações e transformações ao longo do tempo. Desta expressão surgiu o substantivo, vigarice, sinônimo de estelionato - mais recentemente conhecido também pela gíria “171”, número do artigo do Código Penal que define o crime de estelionato.
Dias Júnior identifica a característica marcadamente urbana desses delitos: nas cidades o golpista tanto encontra recém chegados ingênuos com mais facilidade quanto desaparece rapidamente na multidão.
Tomando como cenário metrópoles brasileiras, que cresciam de maneira incessante ao longo do século XX, o livro trata dos mecanismos culturais que sustentam e organizam o funcionamento da “vigarice”, cujos engenhosos encenadores dominam a técnica teatral de criar mentiras com aparência de verdades, episódios em que "os espertos se fazem tolos e o tolo quer ser esperto”. Esse é outro aspecto crucial analisado em “Os contos e os vigários”: a ambição por parte da vítima. Na maior parte das vezes, ela cai no conto porque deseja ter um ganho rápido e fácil. E esse desejo a torna cega diante de sinais cuja evidência pode estar clara para quem assiste de fora.
Expondo a variedade de elementos culturais que ajudam os vigaristas a montar seus enredos – a sensação de superioridade dos moradores das grandes cidades em relação aos interioranos; a convicção de que a vida nas metrópoles era sinônimo de modernidade; os usos e costumes da política brasileira; e os temores causados pelos aparatos oficiais de repressão –, o livro nos ensina que, assim como os costumes, a culinária, a moda e as organizações familiares, os "contos do vigário" de uma determinada época revelam muito sobre o seu contexto cultural, e nos ajudam a entender melhor a sociedade e sua evolução.
Sobre o autor
José Augusto Dias Júnior é mestre em História Social pela Universidade de São Paulo e doutor em História Cultural pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente, é professor de História Contemporânea na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo.