O estado atual do mercado de e-book
PublishNews, 27/10/2010
Na coluna desta semana, Mike Shatzikin fala sobre a posição atual de editores e livrarias na questão do livro digital

Tive a chance, nessa semana, de conversar com uma pessoa muito inteligente de uma empresa que trabalha bastante com editores de livros. Algumas coisas saíram dessa conversa – um dos meus colaboradores favoritos, Mark Bide, sempre observa que “aprendemos muitos conversando” – e vale a pena publicá-las (enquanto preservo o anonimato do meu amigo).

Conversamos sobre a atual situação da distribuição do e-book: modelo de agência, modelo de distribuidora e o que está sendo chamar de modelo “híbrido”, mas que eu simplesmente chamo de “uma confusão que não se sustentará” (notem que essa é uma conversa e análise pré-Google Editions; quando o GE chegar, será um divisor de águas e mudará muitas coisas, mas sem saber se ela começará na semana que vem, no mês que vem ou no próximo ano, essa análise tem a ver com as coisas acontecendo agora).

Nossa conversa chegou a cinco conclusões:

- O modelo “híbrido” para distribuição de e-Book, pelo qual alguns editores estão vendendo para a Apple em termos de agência e para Amazon como distribuidora, é arriscado e provavelmente não vai durar.

- A Amazon está garantindo seus interesses ao forçar algumas editoras a adotar o modelo híbrido.

- A iBookstore poderia pode estar com um grande problema e vai ser difícil construir uma base de títulos que lhe dê uma posição sustentável de vendas.

- Grandes editoras são forçadas a serem falsas em sua estratégia ou o que deveria ser sua estratégia: manter as vendas de livros impressos o mais robustas possível, pela maior quantidade de tempo possível.

- A Amazon também é forçada a ser falsa em sua estratégia, ou o que deveria ser sua estratégia: conseguir o maior número de leitores possível para seu aparelho Kindle porque, do jeito que é hoje, a única maneira fácil de colocar um livro num Kindle é comprando da Amazon.

O modelo híbrido

Quando a Apple abriu a iBookstore, eles “insistiram” no modelo de agência, no qual os editores colocam o preço de venda e pagam uma porcentagem fixa (dizem que de 30%) para o “agente” cujo site faz a venda. Isso se diferencia do modelo de distribuidora, no qual o editor “vende” o livro para a loja web que depois o revende pelo preço que quiser ao consumidor.

Como a Amazon tem muito dinheiro e teve o primeiro leitor de e-Book bem-sucedido do mercado não tinha problema em dar bons descontos a grandes best-sellers para conquistar market share (Vejam que a Amazon sempre afirmou que sua margem vinha dos livros e sempre teve lucro com a venda do Kindle. O que me contaram uma vez, foi que 4% dos títulos tinham descontos abaixo dos custos e eram responsáveis por 25% das vendas. Esse dado era de antes dos iBooks e o modelo de agência ter reduzido o número de títulos com grandes descontos).

Quando cinco das seis grandes editoras apresentaram a decisão à Amazon de mudar para o modelo de agência, ela concordou em mudar (depois de criar obstáculos inicialmente, no famoso caso de tirar temporariamente o botão de compras da Macmillan), mas só para as cinco editoras. Todas as outras tiveram de manter as condições de distribuição, permitindo que continuassem com os descontos.

Algumas poucas editoras responderam tentando trabalhar nos dois modelos. Isso exige algum jogo de cintura porque o preço que o editor estabelece para um livro no modelo agência (que é o que o público irá pagar) é consideravelmente menor – metade ou menos da metade – do preço que um editor estabelece para basear o desconto se estiverem vendendo no modelo distribuidora. Então um livro impresso que custa US$ 30 poderia se tornar um e-Book de US$ 30 para a distribuidora, com a loja pagando US$ 15 e talvez cobrando US$ 9,99. O mesmo livro teria um preço de US$ 12,99 ou US$ 14,99 na agência, com o editor recebendo 70% disso (entre US$ 9,09 ou US$ 10,49). Mas não é isso que torna o modelo insustentável.

O acordo estilo agência com a Apple aparentemente (eu nunca vi um contrato) permite que a empresa equipare o preço com o que os outros cobram na web. Então, se a Amazon realmente vende o livro acima por US$ 9,99 e a Apple equipara o valor, eles só devem pagar US$ 6,99 ao editor! Por quanto tempo vocês acham que a Amazon ficaria pagando mais do que o dobro da concorrência? Por quanto você aceitaria isso?

Eu falei com um editor que usa os dois modelos: ele não tinha achado que a situação era insustentável. A Apple o avisa sobre livros que precisam de reajuste de preço, mas até agora o número foi pequeno e não havia nenhum best-seller importante que distorceria a questão. Mas esse editor, e qualquer outro tentando trabalhar nos dois modelos, deve se sentir bastante vulnerável e, de alguma forma, temer o best-seller incontrolável que poderia começar uma espiral de cortes de preços.

O interesse da Amazon

O objetivo da Amazon aqui é desencorajar editores de colocar seus livros na loja da Apple. Nisso, eles parecem ter sucesso. A iBookstore se tornou uma loja de shopping center: tem a maioria dos best-sellers (nem todos, porque a Random House não está) e não muito mais. Enquanto isso, a Amazon e a Barnes & Noble (e Kobo, apesar de repercussões ruins na imprensa em relação a alguns acordos com pequenas editoras) estão construindo seleções cada vez maiores de títulos. Com a paridade de preços, no mínimo, e o fato de que qualquer pessoa que use o iBooks (um e-Reader para iPad ou iPhone) poderia também facilmente comprar seus e-Books de qualquer uma das outras três grandes lojas - a postura dura da Amazon está fazendo com que muitas editoras pequenas ou médias questionem se precisam estar na loja da Apple.

O que acontece com a iBooks?

É difícil para mim ver muito futuro na iBook a menos que eles amenizem sua postura sobre comprar somente como agência ou, ainda menos provável, a menos que a Amazon amenize sua postura sobre aceitar livros de editores fora do grupo das Cinco Grandes somente em termos de distribuidora. A diferença entre o que eles têm a vender e o que outras grandes lojas têm vai continuar a crescer. Todas as outras três (e o The Copia por falar nisso, quando eles inaugurarem o site) vendem e-Books que podem ser lidos em muitos aparelhos. Compras de iBooks só podem ser lidas em um iPad ou iPhone. Com o tempo, a única razão que posso pensar para alguém comprar na iBooks seria usar o recurso de duas páginas em seu iPad. Se existe alguma outra proposta que possa atrair um comprador, não sei qual é.

Além do mais, a Apple não dedicou os mesmos esforços que seus concorrentes para conseguir mais livros. Eles possuem menos pessoas e menos interação com editores. É como se não ligassem se a iBooks vive ou morre. E talvez não se importem mesmo, já que qualquer pessoa que possui um dos seus aparelhos consegue ler livros com conteúdo da Amazon, B&N ou Kobo.

O que os editores não podem ou não querem falar

Escrevi e falei muitas vezes, desde 2007 e até antes, que grandes editoras gerais dependem de uma rede de livrarias para sobreviver. A proposta central é “colocar livros nas prateleiras”; é isso que exige a escala e o conhecimento que eles possuem e contra o qual mais ninguém pode competir. Quando o espaço na prateleira da loja desaparece, não há muita coisa que um grande editor possa fazer que não possa ser copiado por alguém com dinheiro para juntar uma equipe de freelancers e enxertá-los em alguma empresa de fornecimento de serviços.

Mas como a resposta à minha pergunta “por que você está matando as livrarias” que foi tema de um post aqui alguns meses atrás deixou claro, “defender o velho modelo” é uma posição muito impopular que simplesmente cai no ridículo. Nenhuma grande editora vai dizer que essa é a estratégia deles: evitar o domínio do e-Book para salvar os livros impressos, mas eles seriam estúpidos se não pensassem assim.

O que a Amazon não pode ou não quer falar

Mas se a Amazon gosta de ridicularizar editoras por colocarem preços absurdos (algo que as editoras estão fazendo para manter os preços altos e restringir o movimento de papel para digital), eles também não falam sobre a estratégia central: levar o maior número possível de leitores para o Kindle. Apesar de poder comprar de quem quiser para ler num iPad, na prática, você só pode comprar da Amazon se quiser ler num Kindle. Todo leitor “convertido” ao Kindle é um consumidor perdido para todas as outras lojas.

Então enquanto as editoras dizem qualquer coisa menos “precisamos diminuir a velocidade da mudança para o digital” quando falam em “manter a percepção de valor” ou “os custos que existem nos e-Books” como justificativa para as políticas de agência e de preços, a Amazon é igualmente falsa quando fala em preços para suas edições Kindle. “Oferecer grande valor aos consumidores” e “preços de acordo com algoritmos científicos” são explicações muito mais palatáveis do que “estamos tentando conquistar o máximo de mercado, avançar o máximo que conseguirmos”.

Tenho um amigo em uma das grandes editoras que só analisa o mercado e pensa em estratégia o dia todo, um dos poucos empregos no mercado editorial que eu até poderia realizar! Ele é muito inteligente. Por isso me disse que não está convencido de que colocar preços mais altos nos e-Books irá impedir que as pessoas deixem os livros em papel. Posso acreditar que ele veja isso em dados, mas não consigo acreditar que seja verdade em relação ao diferencial de preços. Manter os preços dos e-Books altos também tem a ver com preservar os ganhos enquanto o mercado muda para o digital, mas o meu palpite aqui é que também não deixa de ser uma forma de manter as pessoas com os livros impressos por mais tempo do que se a atração dos preços para mudar fosse mais forte.

[26/10/2010 22:00:00]