A unidade de valorização e a unidade de venda
PublishNews, 29/09/2010
Na coluna desta semana, Mike Shatzkin convida os editores que forem à Frankfurt para uma conversa

Minha experiência profissional – e na verdade muito da minha vida que não é família, amigos, beisebol e política – é sobre o mercado trade do livro que tem esse nome porque foi desenvolvido através das livrarias. Mas na semana passada eu passei dois dias inteiros com o Publisher Advisory Group para o meu cliente Copyright Clearance Center (CCC) onde o comércio é apenas uma pequena parte do todo. Além do programa, tive conversas de preparação para a palestra que fui convidado a dar na reunião que a IFRRO (sigla em inglês para Federação Internacional das Organizações de Direito de Reprodução) está organizando para o final de outubro.

Então, como sempre pensei sobre o mercado trade, mas essa semana venho fazendo isso dentro do contexto de outros mercados - na verdade, no contexto de todo o mundo da propriedade intelectual, que vai muito além da publicação e inclui música, arte e fotografia. Estes são negócios que nem se sonham pensar em livrarias.

Teve um ponto na reunião da CCC (na qual as pessoas que trabalham no New York Times, no Chicago Tribune e Associates Press estavam entre os participantes) onde foi útil apresentar a minha perspectiva do porquê os problemas causados pelas mudanças digitais para jornais e revistas e gravadoras foram muito mais graves do que para as editoras de livros (por enquanto). É simples.

Para esses negócios, a unidade de valorização não combina com a unidade de vendas.

Com isso, quero dizer que as gravadoras vendem álbuns quando o que queremos são músicas. Isso é a base do negócio. Portanto, quando se tornou possível comprar músicas, isso acabou com o modelo de negócios deles. Jornais nos vendem previsão do tempo quando o que queremos é a pontuação do campeonato; ou vendem o horóscopo quando queremos quadrinhos. Há muitos livros que serão lidos de cabo a rabo. Jornais e revistas dificilmente são lidos completamente. Nunca ninguém pensou no desperdício e na “deseconomia” que é a maioria das pessoas consumir uma percentagem pequena de cada jornal e revista comprada. Mas tem ficado cada vez mais difícil fazer essa venda no ambiente digital.

É claro que sentimos o impacto desse efeito do negócio de livros. Quando você pensa além da ficção e de certos tipos de não-ficção (memórias, biografias, história e ciência), percebe que alguns livros não são lidos completamente também. Você normalmente usa (como se diz agora) pedaços de livros de viagem, livros sobre jardinagem, de culinária, de computadores e artesanato. Mesmo no ambiente de uma livraria, as vendas desses livros está diminuindo porque uma oferta mais granular é feita online.

Entender o significado do paradigma “unidade de valorização, unidade de venda” me faz acreditar que o “álbum” (ainda podemos chamar assim?) de música, o jornal, e a revista estão condenados como simples princípios de organização. Eles foram construídos para atender aos requisitos de distribuição de conteúdo em um mundo onde praticidades físicas tinham de ser atingidas. O Times não poderia deixar esportes e economia na minha porta e assuntos mundiais e críticas teatrais na sua. E o The New Yorker não poderia entregar Talk of a Town para mim e os quadrinhos para você. As unidades de valorização estariam granulares demais granulares para serem vendidas como unidades de venda.

Seria razoável supor que metade das unidades que as livrarias vendem são lidas completamente, o que significa que as unidades de valorização se igualam às unidades de venda.

Pensando junto com os colegas editores sobre o que eu preciso dizer na IFRRO, me deu uma nova percepção sobre o que pode acontecer e o que não tem muita chance. Explorar publicações não comerciais – acadêmica, profissional, ciência tecnológica, textos colegiais, e livros escolares – faz com que você perceba que todos os outros estão indo na mesma direção. Eles estão antecipando que a “unidade de valorização” para o conteúdo deles será sempre definido pelo contexto (dependendo da base de consumidores) tanto do “sistema de aprendizagem” quanto pelo “fluxo de trabalho”. O conteúdo não será o ponto. Aprender alguma coisa ou realizar alguma coisa será o ponto e conteúdo será entregue com uma estrutura configurada para o objetivo.

Quase sem exceção, editores espertos dessas áreas não comerciais veem chegar o dia onde controlar a plataforma é a chave e o controlador da plataforma será o responsável, se não o criador, pelo conteúdo. Como isso acompanha bem de perto minha noção de “verticalização”, tudo isso parece lógico.

Mas se você pensar sobre isso um pouco mais, tirar mais uma “camada da sua cebola”, vai perceber que muito do resto das nossas publicações lidas completamente – muitas das quais agora chamamos trade – será alojado em plataformas. Haverá plataformas provendo estrutura de trabalho, conteúdo contextualizado, para chefs, tricotadeiras e jardineiros. Eles também comprarão “soluções” e não “informações”, e o material que agora colocamos nos livros serão entregues quando for necessário, dentro da estrutura de trabalho. Não será mais tanto sobre “unidades de valorização” quanto “unidades de necessidade” ou “unidades de propósito” para o conteúdo porque o sistema inteiro será uma unidade de valorização e uma unidade de venda.

Isso significa: a instrução de como fazer um ponto de tricô em particular vai surgir ou será linkado no “modelo” (ou seja lá o que o mundo digital fez com que o modelo se tornasse). A explicação de como grelhar ou alinhavar alguma coisa será linkado em direção à grelhar ou alinhavar alguma coisa. Não será acomodado em um volume fisicamente diferente, não será sequer alojado em um programa ou arquivo diferente! O início disso já é evidente em alguns aplicativos e eBooks avançados.

O mundo no qual viveremos dessa maneira e rotineiramente receberemos conteúdo desse modo está “logo ali na esquina”; estamos a poucos anos disso acontecer. E não serão vinte anos, eu acho; talvez dez. Estaremos solidamente em um mundo de cloud então com absolutamente todo o conteúdo que consumimos – música, filmes, TV, e o que temos nos jornais, revistas e livros – e todos os softwares que usamos chegando aos nossos equipamentos provenientes de servidores remotos, mais do que de um hard drive.

Nesse tipo de mundo, eu acho que a idéia de possuir será absurda. Tudo será licenciado. “Possuir” é realmente um conceito baseado em objetos tangíveis. Descobrimos a realidade disso sempre que tentamos aplicar os princípios do primeiro uso – como empréstimos e revenda – para as coisas digitais que “vendemos” hoje. E quando você pensa sobre isso, comprar o acesso a tudo o que você quiser ou precisar quando você quiser ou precisar é a combinação perfeita da unidade de valorização com a unidade de venda.

Se você estiver em Frankfurt na próxima semana e gosta de falar sobre o que eu escrevo, por favor, venha ao stand 8.0 L916; metade do meu tempo estarei em reuniões mas no restante, será um prazer recebê-lo. Passe para dar um “Oi”. Vou falar duas vezes na FBF. Na quarta-feira, 6 de outubro as 10h30 da manhã, Mark Dressler vai me entrevistar sobre o programa da Digital Book World 2011. Você poderá nos encontrar na Sparks Stage, 8.0 P923. Na sexta-feria, 8 de outubro as 12h30, vou participar de um painel de discussão no “The EBook Business – Who’s in Control” que vai acontecer na sala “Entente” no Hall 4.C. Victoria Barnsley da HarperCollins UK e Ronald Schild do consórcio alemão de venda de eBooks serão meus parceiros na conversa em que o foco aparentemente será as grandes companhias no mundo dos eBooks: Amazon, Apple, e Google. Talvez eu seja a voz solitária dizendo “não se esqueça da B&N e Kobo que estão bem aqui – e o Google não está – e que Blio e Copia estão chegando e que o poder coletivo de sites e comunidades ainda desagregados, que ainda poderão ser aproveitadas por outro player, serão consideráveis.

[28/09/2010 21:00:00]