Sartre como guia turístico
PublishNews, Redação, 13/08/2009

Em uma viagem que fez à Itália no outono de 1951 o filósofo francês Jean-Paul Sartre escreveu um diário. A produção inacabada foi anotada por Arlette Elkaïm -Sartre – filha adotiva de Sartre, e sai através do livro A rainha Albemarle ou o último turista – Fragmentos (Globo Livros, 192 pp., R$ 33 – Trad. Júlio Castañon Guimarães). O subtítulo, fragmentos, se explica não tanto pelo texto ser construído de pequenas partes esparsas, mas porque Sartre, envolvido em seguida em outros projetos, principalmente políticos, deixou o livro inacabado, sem formar um todo orgânico. A Itália é o cenário ideal para isso. Primeiro, porque Sartre a ama. Segundo, porque a Itália é a Itália, o mais caloroso e colorido dos países europeus, e ao mesmo tempo o mais cheio de história e de arte, o que estimula os sentidos, mas também a inteligência desse turista incomum.

A “Apresentação” do livro explicita: “Esse [recente] desejo de escrever em liberdade logo se volta para a própria Itália. Em Roma, Nápoles e Capri, ele toma notas, essencialmente descritivas, em suportes improvisados. [Depois] em Veneza, continua a escrever em um caderno, escolhendo as palavras para fazer a presença da cidade vibrar – [o relato] assume [então] a forma de um diário, com um tom que permanecerá nas versões posteriores – mistura de emoção e ironia”. Ironia, tratando-se de Sartre, se entende. Emoção entende-se menos, pois esse é o homem que tentou juntar literatura e filosofia, narração e tese. Mas A rainha Albemarle ou o último turista revela um Sartre diferente, que quer respirar mais livremente depois de dois anos exaustivos dedicados ao livro sobre Jean Genet, e antes do início de seu engajamento político direto, que se avizinha e que ele naturalmente adivinha.

Nas palavras da “Apresentação”: “A propósito de tudo o que se oferece a seus olhos, uma moita, um postigo fechado, a echarpe de uma passante, o Turista [...] busca o segredo das coisas, [enquanto] o Tempo – um dos grandes temas destas páginas – é apreendido emocionalmente e pelo intelecto de modo simultâneo; [toda] descoberta é logo narrada e transmitida à intuição do leitor com sua coloração subjetiva, pelos meios sutis e diretos da literatura, sem que intervenha a argumentação própria da filosofia”. Não falta, porém a história: o subtítulo, O último turista, explica-se então por três motivos: ele é o turista da última estação do ano, pois viaja no outono (e pode assim ver o país como os turistas do verão não poderiam); ele é o último de uma longa linhagem de intelectuais e artistas europeus que, a começar por Montagne, fizeram uma espécie de peregrinação estética e existencial à Itália; por fim, ele é uma testemunha do fim da história, pois à época, com o início da Guerra Fria, parecia certo que, ou a Revolução Mundial extinguiria a Era da Burguesia, ou o mundo acabaria numa guerra nuclear. Mas como o mundo ainda não acabou, pode-se por ora viver a experiência rara de juntar inteligência e prazer viajando pela Itália com Jean-Paul Sartre como guia turístico.
[13/08/2009 00:00:00]