Não-leitores chegam a 77 milhões no Brasil
PublishNews, M.Leone,Brasil Que Lê, 05/03/2009

Em Manaus, capital do Amazonas, a pequena Fernanda Maia dos Anjos interrompeu os estudos diversas vezes para ajudar na renda familiar. Aos 12 anos, engravidou e deixou os livros para assumir uma família. Hoje, aos 34 anos, com dois filhos, trabalha como doméstica e integra os números gerados pela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, encomendada pelo Instituto Pró-Livro ao Ibope, em 2007. A pesquisa revelou um contingente de 77 milhões de não-leitores. Nossa personagem encontra-se entre os 27 milhões que cursaram até a 4ª série do Ensino Fundamental, e que não leem. Fatores como baixa renda, escolarização e questões sociais são elementos que resultam no grande número de brasileiros sem interesse na leitura, que, nem sempre, estão fora da escola. O Programa Internacional de Avaliação de Alunos, o PISA, revelou, em 2008, que os 4,8 mil estudantes brasileiros avaliados, pouco compreendem o que estão lendo. Esse fator deixou o Brasil em último lugar no ranking dos 32 países, além de mostrar que o problema está na falta de habilidades que deveriam ser formadas no processo educacional.

Para superar estas dificuldades seria necessário que o poder público investisse na formação e aperfeiçoamento dos professores de Língua Portuguesa e mediadores de leitura para alcançar resultados junto aos alunos. A compreensão dos textos está diretamente relacionada ao nível de informação, conhecimento e vocabulário do leitor. Membro da Academia Amazonense de Letras e editor, Tenório Telles, 45 anos, diz que a compreensão de um texto é resultado de uma tessitura de elementos. “Não basta ter o domínio do código de comunicação. É fundamental ter uma prática continuada de contato criativo com textos, fator indispensável para a afirmação de uma vivência leitora, que ajuda no aprimoramento do pensamento, do olhar e do sentir do sujeito”. Diz ainda que, associada a essa experiência, somam-se as vivências sociais, afetivas e artísticas. Esse conjunto de conhecimentos existenciais contribuem para o amadurecimento humano, que serve de fundamento para a compreensão do mundo e das realidades transfiguradas nos livros. “Esse complexo de relações forja a competência leitora - que na verdade é um processo em constante avanço. A leitura é também um devir intelectual, existencial e criativo”, avalia. Apesar de existirem inúmeros fatores que podem exercer o poder de atração na leitura, como incentivo dos pais, da escola e de amigos, é necessário, antes de tudo, ter domínio na codificação do texto para que a leitura torne-se uma atividade prazerosa e não um sacrifício.

Diogo Lopes, 27 anos, cursando faculdade de Administração em Porto Velho, capital de Rondônia, não encontra prazer nos livros. “Dependendo do texto, ler pode tornar-se um pesadelo. Não gosto de livros." Ele busca as informações que precisa na Internet. A falta de estímulo para leitura, segundo o estudante, vem da escola. “Não gosto de ler desde criança. No colégio, os professores mandavam ler livros para prova, mas sem se preocupar em saber se o livro interessava aos alunos. Não ajudavam na compreensão dos textos, que já eram difíceis para a maioria. Simplesmente empurravam os livros sem dar opções de escolha. Isso foi me deixando cada vez mais sem vontade de ler." O despreparo de seus professores no Ensino Fundamental contribuiu para que Diogo, mesmo lendo algo de seu interesse, fique sonolento e impaciente, efeitos provocados pela falta de ferramentas para compreensão dos textos. A prova aplicada pelo PISA mostra que não só Diogo enfrenta estas dificuldades. Dos 4,8 mil alunos avaliados, 16% leem muito devagar, 7% não compreendem o que leem, 11% não têm paciência para ler e 7% sofrem com a falta de concentração.

Livro como presente - Para Taciana Pereira de 29 anos, de Manaus, Amazonas, assistente social recém-formada, o maior índice de não-leitores registrado pela pesquisa em sua região, deve-se à falta de incentivo à leitura, além de recursos que proporcionem acesso aos livros. “Na minha cidade existem várias bibliotecas, mas quando preciso usá-las estão fechadas ou, quando encontro uma em funcionamento, o acervo é pequeno e precário. Para quem já tem dificuldade em apreciar um bom livro, isso gera um enorme desinteresse. Gosto de ler porque tive estímulo desde criança. Comecei a ter contato com os livros porque minha mãe quando ia trabalhar, me deixava na casa de minha avó. Lá, meu tio que era professor, dava a tarefa de ler três matérias de revistas que ele escolhia e escrever uma redação para ele corrigir”, lembra. Ela diz que a família sempre teve o hábito da leitura e as crianças eram sempre presenteadas com livros. “Aos quatro anos, aprendi a ler e nunca mais parei, mas infelizmente essa não é a realidade da maioria aqui”. A história de Taciana é o inverso do que acontece com o restante do País, onde o hábito da leitura não é rotina na família. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil detectou que entre os não-leitores 85% nunca foram presenteados com livros na infância e 63% nunca viram os pais lendo.

Em Salvador, região nordeste do Brasil, 2° lugar no ranking de não-leitores, o educador Augusto Castro de Azerêdo, formado em Geografia pela Universidade Federal da Bahia, UFBA, e pós-graduado em Metodologia do Ensino e Pesquisa pela mesma universidade, acredita que a família contribui para estimular o hábito da leitura, porém a realidade sócio-econômica de muitos impede que esse exercício seja praticado em casa. Mas, a agravante está na educação. Durante as aulas, o professor propõe pesquisas escolares manuscritas e utiliza questões discursivas nas avaliações para exercitar a opinião dos alunos, mas os resultados nem sempre são positivos. “Tenho alunos na 8ª série com graves dificuldades, pois o processo de alfabetização foi deficiente, e aliado a este problema, eles apresentam falta quase absoluta da leitura”.

Ele acredita que a negligência governamental em todas as esferas contribui para que não só o nordeste, mas todo país tenha um grande número de não-leitores “Deveria existir investimentos como informatização das bibliotecas, mais acervos literários, redução dos impostos na produção gráfica e mais patrocínios em eventos literários. No âmbito escolar, o aumento das verbas poderia ser investido na compra de novos equipamentos visando a qualidade de ensino”. Professor há mais de 10 anos, Augusto diz que o investimento na qualificação dos profissionais da Educação é praticamente inexistente, e esse fato gera muitas vezes profissionais despreparados e, como consequência, o número da evasão escolar torna-se frequente já que não encontram prazer, estímulo e não conseguem aprender. Os que permanecem, tornam-se desprovidos de uma iniciativa para realizar conexão de ideias, contextualizar os diversos autores e criar o pensamento próprio. “Podemos ousar levantar diversas hipóteses em relação ao número de não leitores no país, mas a verdade é que o Brasil só vai mudar esse quadro quando houver uma revolução educacional. Quem não estuda, não lê e não compreende o mundo em que vive."
[05/03/2009 00:00:00]