Romance e ironia
PublishNews, 03/09/2004
O escritor amazonense Carlos Trigueiro, circulando entre um realismo mágico e uma realidade trágica, situa a trama de O livro dos desmandamentos (Bertrand Brasil, 176 pp., R$ 27) em um isolado e miserável arraial nordestino chamado Quebra-Vento. Como homenagem à data de seu nascimento, o vigésimo primeiro filho do casal José e Maria foi batizado com o nome de Todos os Santos Silvério. O menino, com um olho azul e outro verde, rapidamente acabou apelidado de Santinho e ganhou fama de abençoado. Seu primeiro milagre foi fazer com que os habitantes de Quebra-Vento - gente que nunca sentia satisfação alguma e, por conta disso, tinha inertes os músculos do riso - reaprendessem a sorrir. Em 1964, com apenas sete anos e já tendo decorado todos os versículos da Bíblia, Santinho previu a ditadura militar e todo o fracasso político-social que o Brasil passaria a enfrentar a partir de então. Suas sábias palavras logo foram parar nos principais jornais e se espalharam pelo país, chegando aos ouvidos do cruel e diabólico coronel Justo Sacrossanto. O coronel percebeu que o dom do jovem poderia botar seu poder em risco e ordenou que um de seus capangas cortasse fora a sua língua. É lançando mão dessa ironia árida e sombria que Carlos Trigueiro traça seu romance, voltando aos primórdios da civilização brasileira e vindo parar nos tempos atuais. O livro dos desmandamentos vem fechar o ciclo de livros que o autor denomina de Trilogia da feiúra.
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