O paraíso americano, seus abismos familiares, excessos e ausências
PublishNews, Redação, 19/12/2025
'Aconteceu em Key Biscayne' aposta nas ambivalências e em contornos vívidos, mas que se desprendem do real

Tudo parece artificial e excessivo na ilha de Key Biscayne: o vermelho da pele dos habitantes, nunca visto em outros mamíferos, o condomínio com piscina que lembra um parque de bonecas em tamanho real, os revólveres em gavetas de banheiro ou armários de cozinha. Até a natureza parece too much, com tempestades tropicais e, claro, crocodilos. Ricardo, professor em Harvard, escolhe esta vila-ilha para passar uma temporada com os dois filhos. Criados pela mãe, na Espanha, os dois estavam com Ricardo em Boston quando ele decide, sem consultar a ex-mulher, levá-los para o outro extremo do país. Para a filha, narradora do romance, tudo na nova vida é exótico: a paisagem, a adolescência que se precipita, o próprio pai. Agora, adulta, ela revisita o período na ilha: as colegas de escola com implante de silicone, as interações suspeitas em chats da internet e, sobretudo, a figura ambígua do pai, com quem, até a chegada aos Estados Unidos, só havia passado as férias. Aconteceu em Key Biscayne (DBA, 216 pp, R$ 82,90 — Trad.: Elisa Menezes), de Xita Rubert, aposta nas ambivalências e em contornos vívidos, mas que se desprendem do real. A narradora, sujeita ao arbítrio e à negligência paterna, descreve os eventos daqueles meses — o que aconteceu, o que parece ter acontecido, o que estava prestes a acontecer — refugiando o romance nesta busca por uma verdade que talvez só exista na própria linguagem.

Tags: DBA, romance
[19/12/2025 08:28:41]