Escrito há 12 anos, o romance de estreia de Míriam Leitão se mostra mais atual do que nunca. Ao unir a ditadura militar de 1964 e a escravidão de negros no Brasil como pano de fundo, a jornalista constrói uma narrativa na qual os conflitos familiares refletem graves antagonismos políticos, muito semelhantes à polarização que se instaurou na sociedade brasileira desde 2018. A atualidade de Tempos extremos (Intrínseca, 304 pp, R$ 79,90) inspirou esta edição comemorativa de 10 anos. A história se passa no século XXI, mas as linhas temporais são rompidas. No entremeio, as relações tormentosas entre pais e filhos e entre irmãos tecem uma trama densa e ousada. Quantos mistérios uma antiga fazenda pode guardar? Mistérios que chegam de forma inesperada, revelando passados diversos a uma família dividida por conflitos afetivos e políticos. É o que Larissa tentará descobrir, em uma estranha jornada na qual perseguirá sombras e segredos para entender os próprios sonhos. A protagonista percorre diferentes momentos do tempo para desvendar as perguntas sem respostas que envolvem a centenária Soledade de Sinhá, incrustada entre as montanhas de Minas Gerais, enquanto a família, dividida por antigos rancores, ainda lida com o sentimento dos que carregam as feridas deixadas pela ditadura. É o encontro de duas das maiores mazelas da história do Brasil, períodos sombrios que muitas vezes ainda ficam acobertados pelo silêncio. Dois acontecimentos emblemáticos de 2012 não fugiram ao olhar atento da jornalista: a instauração da Comissão da Verdade e a redescoberta do Cais do Valongo, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, por onde passou mais de um milhão de africanos escravizados. Ambos os fatos serviram como inspirações para a primeira obra de ficção da já consagrada autora, laureada pelo Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção por Saga brasileira nesse mesmo ano.