Retrato civilizatório da história do Brasil
PublishNews, Redação, 13/05/2024
Autora retrata episódio pouco explorado da história do Brasil e segue uma família após a crise econômica que assolou as fazendas de café no fim do século 19

Em seu segundo romance, Marana Borges (vencedora do Prêmio Minas Gerais de Literatura e semifinalista do Prêmio Oceanos) apresenta uma história onde o espaço e a arquitetura — desta vez de um casarão colonial do século XIX — voltam a recobrar vida. Com uma prosa de lirismos, a escritora retrata a derrocada dos “barões do café” – no caso, baronesa – no Vale do Paraíba, entre o sul fluminense e o leste paulista. Em Dentro de tudo, a noite (Reformatório, 239 pp, R$ 58), o leitor acompanha a vida da pequena Aparecida, neta de uma baronesa tuberculosa que vive recolhida no quarto. Trata-se do início do século XX, quando boa parte da riqueza da região, erguida com mão de obra escrava, já havia colapsado. O cotidiano da menina muda quando a mãe, obstinada com as infiltrações causadas pelas chuvas, decide reformar o velho palacete onde vivem e, assim, reaver a glória da antiga fazenda de café. O pai, aristocrata à moda antiga, árduo defensor da razão e da extinta monarquia, se a princípio é contra a reforma do solar, acaba por embarcar no delírio magnânimo da reconstrução. Inspirado em livros de arquitetura renascentistas, ele projeta lareiras, corrimões, sala para orquestra – enquanto as paredes vão se esfacelando e cobrindo de poeira branca os cabelos de Aparecida. Este cenário rural e isolado é também habitado por mucamas e capatazes. Nanan, com seus olhos grandes, consegue ver tudo de longe. De sua boca protuberante saem histórias de seus antepassados. Vista pelos patrões com desconfiança, é ela quem conta histórias para Aparecida, ligadas à natureza, ao ciclo da vida e a um conhecimento que se conecta com a literatura oral africana. Mas, como a menina, não sairá ilesa do casarão. Dentro de tudo, a noite oferece um olhar para uma incômoda faceta da existência. Em ruínas, a casa senhorial espelha o declínio da infância, de uma família reticente à modernidade e de um projeto de sociedade que, fundado na violência, pretendeu ser civilizatório.

[13/05/2024 07:00:00]