Uma família dilacerada
PublishNews, Redação, 21/03/2024
'Dos que vão morrer, aos mortos' reflete sobre nosso lugar no mundo, aqui, onde nos morrem os nossos, no meio da nossa cara, uma ferida aberta

Numa cidade de mais de dois milhões de habitantes, uma mãe morre e dilacera uma família inteira. Do outro lado do mundo, em festa, um filho tem que interromper a cavalgada em um avestruz para receber a notícia. Sua mãe está morta. A cidade é Belo Horizonte; o filho é Rafael, o narrador deste romance. Rafael é também o nome do autor deste livro, e eu e você não saberemos se é coincidência ou um pouco mais que isso. Rafael Sette Câmara, o autor, escolhe com cuidado as suas epígrafes: Laura Aleixo, Pedro Nava, Drummond, Gabriel García Márquez. Esses quatro autores, juntos, dão pistas do que vamos encontrar aqui, neste Dos que vão morrer, aos mortos (Urutau, 172 pp, R$ 60): uma escrita da intimidade, voltas e voltas no cemitério, a morte tão insistente, inevitável, maldita, inadiável. O nosso lugar no mundo, aqui, onde nos morrem os nossos, no meio da nossa cara, uma ferida aberta. Até quando? Rafael, o autor, dança com a morte como quem dança com um inimigo a quem se deve muito respeito, reverência e mesmo alguma admiração. Um inimigo que está do outro lado por causa das circunstâncias, e só. Rafael, o personagem, talvez ainda não tenha descoberto a mesma força, ou resiliência, mas faz esse caminho, pelas ruas de uma Belo Horizonte que é inconfundível, apaixonante e que testemunha em silêncio a história de uma família que podia ser a minha ou a sua: que se quebra, se esfacela, se reencontra, se reconstrói. E depois outra vez.

Tags: romance, Urutau
[21/03/2024 07:00:00]