Uma performance ainda a se desdobrar
PublishNews, Redação, 11/10/2023
Uma performance de um artista no Museu de Arte Moderna de São Paulo em 2017 torna-se motivo de comoção e violência em 'A nudez da cópia imperfeita'

Enquanto apresentava uma releitura da obra Bichos, de Lygia Clark, na qual punha o próprio corpo nu à disposição do espectador para ser manipulado, Wagner Schwartz teve seu corpo (sua obra) relado por uma criança, a filha de uma grande amiga sua, que estava no recinto no momento da apresentação. Um vídeo do momento foi capturado, retirado completamente de seu contexto e disseminado internet afora. Rapidamente uma enxurrada de ódio, violência e selvageria passou a ser direcionada ao artista. Nem perto de poucas foram as ameaças de morte que Schwartz sofreu. A situação toda compõe uma triste parábola: o Brasil odioso, odiento, marcadamente fanático que passamos a ser a partir de 2016 já se afigurava ali, na inocente sala de um museu. O corpo masculino reduzido à impotência, a arte dessacralizada, tornada objeto prosaico, uma série de fatores identificados com a descolonização do pensamento dominante, geraram uma reação coletiva criminosa, marcada pela perseguição, pelo assédio psicológico, por ameaças explícitas nas redes sociais e, principalmente, pela desenfreada repetição de um covarde encadeamento de fake news em veículos e grupos identificados com a extrema direita brasileira — que até mesmo a morte do artista elucubravam. Neste relato visceral e experimental de A nudez da cópia imperfeita (Nós, 336 pp, R$ 69), no qual se fundem instalação e texto, performance e palavra, obra e autobiografia, Wagner Schwartz oferece um testemunho inigualável do artista vitimado pelo autoritarismo, pela sombra perene da violência, por um engenhoso e dissimulado mecanismo de censura que mesmo nos espaços (e países) ditos democráticos vigem.

[11/10/2023 07:00:00]