Livros ganham destaque no noticiário nacional com a criação ou reformulação dos espaços de cobertura
PublishNews, Guilherme Sobota, 03/05/2023
Folha de S. Paulo, Fantástico e Jornal do Commercio (PE) são alguns dos veículos que expandiram seus espaços para os livros no noticiário

Walter Porto, da Folha (e), e Maju Coutinho, do Fantástico (acima), são alguns dos profissionais envolvidos na cobertura de livros
Walter Porto, da Folha (e), e Maju Coutinho, do Fantástico (acima), são alguns dos profissionais envolvidos na cobertura de livros
Em um movimento talvez não antecipado pelo mercado de livros no Brasil, veículos da imprensa tradicional vêm ampliando, reformulando ou mesmo criando novos espaços de cobertura de livros em suas plataformas, seja nos jornais, na web ou na TV. Alguns desses espaços vão além e são vinculados a outras iniciativas relacionadas ao livro, como clubes de leitura e circuitos literários.

É o caso da Folha de S. Paulo, que promoveu o repórter e colunista Walter Porto ao cargo de editor de uma nova Editoria de Livros. A editoria pretende fazer a cobertura jornalística dos livros de maneira transversal no jornal, e não apenas vinculada à Ilustrada, por exemplo.

“A ideia surgiu da cúpula do jornal com o objetivo de justamente valorizar a cobertura de livros”, explica Porto ao PublishNews, por telefone. “A gente tinha a percepção de que o mercado literário estava num momento bom, e é interessante para a Folha se destacar nesse flanco. O histórico do jornal é valorizar essa cobertura. A Coluna Painel das Letras nunca foi descontinuada, por exemplo. A figura do colunista de livros nunca deixou de existir, e já simboliza de alguma forma a valorização do jornal para essa área. Foi então uma iniciativa em diálogo comigo, transformar o colunista numa função expandida, numa editoria própria”.

Segundo ele, a nova editoria é autônoma e se propõe a ser uma ferramenta para aprimorar a cobertura de livros feita pelo jornal. Embora o contato com a Ilustrada siga constante – e Walter continue à frente da coluna – a ideia é ter um trânsito parecido também em outras editoriais, como Poder, Mercado e Mundo. “A cobertura de livros fica como um coringa”, explica.

Por ora, ele é o único membro da equipe e conta que o jornal ainda está estruturando exatamente como vai funcionar, mas a mudança já está valendo desde o início de abril.

No dia 16 de abril, o Fantástico estreou também uma nova série nas noites de domingo na TV Globo, chamada de “Book Fant”. Inspirado pelo fenômeno do #BookTok – a comunidade livreira no TikTok –, o programa semanal criou o quadro para entrevistar autores, autoras e booktokers, levar um pouco da discussão à TV e buscar interação com o público.

“A ideia do projeto surgiu de um desejo de falar sobre literatura no Fantástico”, diz a jornalista e apresentadora Maria Júlia Coutinho, em nota para a imprensa. “Livros podem modificar vidas e falar sobre eles em um canhão de audiência como o Fantástico é algo revolucionário. Eu me modifiquei a cada leitura que fiz para o projeto e me senti muito realizada”.

No primeiro programa, Maju conversou com Emily Lockhart, autora de Mentirosos (Seguinte). O livro, lançado em 2014, entrou nas lista de mais vendidos depois que resenhas feitas pelo público viralizaram. No dia 23, ela entrevistou Clara Alves, de Conectadas (Seguinte), e Vitor Martins, de Se a casa 8 falasse (Alt), finalista do Prêmio Jabuti em 2022. Os dois falaram justamente sobre a influência da internet no impulsionamento das vendas dos livros.

Desde Belo Horizonte, o caderno Pensar, do jornal Estado de Minas, vem se destacando nessa cobertura. O cenário local pujante – com editoras e livrarias independentes revelando autores que cedo alcançam sucesso nacional – é uma motivação extra para a jornada recente do caderno, comandado atualmente pelo diretor de redação do jornal, Carlos Marcelo. O Pensar criou, em fevereiro, uma coluna de notas “a respeito da produção contemporânea de autores e editoras de Minas, do Brasil e do mundo”.

“Não entendi porque a cobertura reduziu tanto na mídia mainstream (nos últimos anos)”, diz Marcelo ao PN. “Na verdade, agora é um momento de renascença, de interesse renovado, de formação de novos leitores, de uma nova geração de escritores, é um momento muito intenso, saindo de adversidades incríveis”, avalia, sobre o setor do livro no Brasil.

O Pensar tem quatro páginas e é publicado semanalmente, com entrevistas com autores e resenhas, e se define como um caderno de ideias e livros, nem sempre vinculado a lançamentos editoriais. A nova coluna, sim, pretende dar vazão às notícias do mercado.

“Por ser o Estado de Minas, lidamos com a tradição literária de Minas Gerais. Falando como diretor de redação, é uma obrigação dedicar um espaço nobre e generoso para livros. Minas vive um momento de atividade editorial muito profícuo. Com a consolidação de autores e autoras, editoras, e de leitores, e livrarias de rua. Esse circuito literário em Minas Gerais justifica a manutenção e a ampliação do caderno. Não fazemos o caderno só em nome da arte e da literatura, mas em nome de um circuito”, explica o jornalista.

Também em abril, no Dia Mundial do Livro, o Jornal do Commercio, de Recife (PE), estreou uma nova coluna, a Literária, a cargo do jornalista Fabio Lucas. A ideia é publicar “notícias e enfoques da literatura nacional, buscando refletir a bibliodiversidade no país”. Lucas gerenciava a página @Livronews há pelo menos três anos, e em fevereiro passou a ser, também, presidente do Conselho Editorial da Cepe.

“O Jornal do Commercio abre espaço nobre à literatura, agregando conteúdo formado na rede constituída há mais de três anos no perfil Livronews, no Instagram, e desde o ano passado pelo Circuito Livronews – que também iniciou num Dia Mundial do Livro, na livraria Patuscada, em São Paulo”, escreveu Lucas na primeira edição da Literária.

O Circuito é um evento presencial de debates e sessões coletivas de autógrafos, com a participação de editoras de pequeno e médio portes, assim como de autores independentes. O evento já teve dez edições, passando por Caruaru, Campina Grande e Poços de Caldas, além da capital paulista e o Recife.

Na Folha de S. Paulo, a iniciativa da editoria também se soma a outros projetos. Explica Walter Porto: “Algumas iniciativas se relacionam: agora temos a oficialização de uma área que já caminhava com os próprios pés. Temos a newsletter Tudo a Ler, tem a coluna Painel das Letras, tem o Clube de Leitura (na verdade são dois), anualmente a Casa Folha vai à Flip, o jornal é parceiro de vários eventos do setor, fazemos lançamentos… Acho que tudo isso mostra que a atenção do jornal para a área sempre foi muito forte. Estamos criando a editoria para organizar e estruturar algo que já caminhava com as próprias pernas. Espero e estou trabalhando pesado para que a cobertura melhore. Estou sentido uma aposta do jornal nesse sentido”.

Ele concluiu: “É um sinal positivo para a cobertura e para o mercado literário”.

Do outro lado do balcão: as assessorias de imprensa para a cobertura de livros

Para Lilian Cardoso, diretora da LC – Agência de Comunicação e especialista em marketing literário, com o boom da internet e fechamentos de cadernos de cultura nos últimos dez anos, divulgar livros na imprensa tradicional se tornou cada vez mais um desafio. "Só que o que percebo é que o movimento nunca parou. Enquanto tivemos a imprensa se fechando mais para as pautas de livros, dando mais espaços apenas para best-sellers e pautas de celebridades (como no caso da TV Globo, que restringiu demais a ida de autores a programas como Ana Maria Braga e Fantástico), tivemos a forte presença de pautas de livros com blogueiros, youtubers e agora os booktokers que são um fenômeno no TikTok", explica.

Ela conta que sua agência tem um mailing de blogs e booktokers com mais de 4 mil contatos. "Vejo que o retorno da imprensa (como o novo quadro do Fantástico) deve-se ao trabalho destas mídias alternativas, destes blogueiros por paixão que atraem milhares de leitores para as suas redes sociais, ou seja, a imprensa viu que há leitor aí. Tendo leitor, há audiência. E é isso que a mídia tradicional precisa. Espero que este movimento venha para ficar para valorizarmos, cada vez mais, o hábito da leitura entre os brasileiros", afirma.

Ela também compartilha do otimismo dos jornalistas em relação aos novos espaços. "Num comparativo entre 2021 e 2022, tivemos um aumento de 20% nas inserções de mídias dos livros divulgados pela LC. Ano passado os números ultrapassaram as 10 mil inserções", explica.

A impressão também compartilhada pela comunicadora Beatriz Reingenheim, fundadora da Kulturális. "Não sei se houve um aumento dos espaços de cobertura de livros na imprensa, mas com certeza isso vem sendo algo prioritário para os veículos", afirma. "O livro está com mais espaço na sociedade como um todo, seja pelo crescente trabalho de influenciadores em redes sociais, seja por clubes de leitura, seja por indicações no fim de conversas e entrevistas em podcasts ou outros", analisa.

Para Lilian Cardoso, as rádios também têm dado mais visibilidade para seus autores. "Os podcasts também ajudam muito, um espaço que antes não tínhamos e que agora é mais um canal para levarmos nossos autores e autoras. Algo que também indicamos para nossa equipe é que para 'furar' a bolha e chamar a atenção da imprensa é preciso o que chamo de 'abrir o livro'. Produzir pautas que podem entrar em várias editorias como política, economia, variedades, comportamento, saúde, para além dos cadernos de cultura".

[03/05/2023 10:30:00]