Estreia nos cinemas adaptação de Murakami que concorre ao Oscar
PublishNews, Thales de Menezes, 17/03/2022
'Drive my car' mostra a relação de um ator viúvo com a motorista de 21 anos que é contratada como sua motorista. O conto com esse titulo está no livro 'Homens sem mulheres', de Haruki Murakami, lançado no Brasil em 2015

Drive my car, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta (17), pode se tornar mais do que uma ótima adaptação do conto de mesmo nome escrito por Haruki Murakami. Ao saber das quatro indicações recebidas pelo longa ao Oscar 2022, nas categorias Melhor Filme, Filme Internacional, Roteiro Adaptado e Direção, para Ryusuke Hamaguchi, é impossível não estabelecer uma comparação com Parasita, obra do diretor sul-coreano Bong Joon-Ho que levou as premiações mais importantes em 2020. Mais do que os olhos puxados dos protagonistas, os dois filmes se aliam na estranheza que despertam no espectador acostumado ao cinema ocidental.

Drive my car e Parasita têm uma inquietude constante, fora dos padrões de dramas moldados há décadas em Hollywood. Mas, enquanto o filme coreano vaza violência histérica, este baseado na obra de Hurakami é uma sinfonia de silêncios. Os momentos de maior comunicação com o espectador são os períodos silenciosos entre o ator viúvo e a jovem de 21 anos contratada para ser sua motorista. São sequências às vezes naturais, às vezes constrangedoras, mas sempre cativantes.

Quem leu a compilação de contos Homens sem mulheres (Companhia das Letras, 240 pp, R$ 59,90; Trad.: Eunice Suenaga), lançada no Brasil em 2015, poderá perceber que, além de usar o conto de mesmo nome que está no volume, o diretor injeta alguma coisa de outro texto do livro, Scheherazade. O apelo forte exercido pela literatura fica evidente também nas entrevistas de Ryusuke Hamaguchi. O cineasta declarou que a adaptação dos textos do autor japonês também foi influenciada pelo russo Anton Tchécov, principalmente a atmosfera de Tio Vânia.

Os personagens não são nada simples. O ator e dramaturgo Kafuku fica arrasado depois da morte da mulher, Oto, uma roteirista, mesmo sabendo e fingindo não saber de várias traições extraconjugais da parte dela nos últimos anos. A contratação de uma jovem bonita, Misaki, para ser sua motorista, é cortesia de uma instituição cultural. Ele tenta recusar, porque gosta de dirigir seu carro, um Saab antigo que ele conserva com carinho e no qual escuta fitas cassete gravadas por Oto, registrando peças de teatro.

É justamente quando ele troca o ambiente acolhedor do carro velho e passa a rodar pelas estradas do Japão com Misaki que ele perceberá o quanto está desestruturado. E não imagina o turbilhão que será imposto a ele pela garota, numa relação que foge bastante dos moldes do cinema romântico tradicional.

O conto, assim como os outros publicados em Homens sem mulheres, é repleto de referências ao mundo pop que abundam no trabalho de Murakami. A começar pelo título, retirado de uma canção dos Beatles. Mas Drive my car é talvez o mais emblemático dos contos do volume quando se leva em conta uma estrutura similar que transparece em todos eles. Embora partam dos relatos de homens que perderam suas mulheres em circunstâncias nada tranquilas, o protagonismo real de cada texto está com as mulheres que aparecem no caminho de cada um. No conto e no livro, Misaki é a figura magnética da história, muito bem interpretada por Tôko Miura. Hidetoshi Nishijima, no papel do viúvo, também faz uma grande entrega em seu personagem.

Com ou sem Oscar, um grande filme extraído de um grande livro.

[17/03/2022 10:00:00]