Projeto ‘Escola Antirracista’ se desfaz depois da polêmica envolvendo a Companhia das Letras
PublishNews, Redação, 14/09/2021
Grupo liderado pela Companhia das Letras reunia 11 editoras com o objetivo de propor ações dedicadas ao tema do racismo e do antirracismo

Capa do manifesto do grupo que reuniu 11 editoras pela construção de comunidades antirracista e uma escola afirmativa | Reprodução
Capa do manifesto do grupo que reuniu 11 editoras pela construção de comunidades antirracista e uma escola afirmativa | Reprodução
Em dezembro de 2020, um grupo de 11 editoras liderado pela Companhia das Letras lançou o projeto Escola Antirracista: construindo comunidades afirmativas. O objetivo era propor ações dedicadas ao tema do racismo e do antirracismo e incluía um ciclo de debates virtuais a ser realizado até o fim desse ano. A iniciativa teve a adesão das editoras Aziza, Boitempo, Oralituras, Perspectiva, Grupo Autêntica, Malê, Mazza, Nandyala Livraria e Editora, Pallas e Quilombhoje Literatura.

No entanto, uma reunião realizada nesta segunda-feira (13) colocou um ponto final no coletivo. A decisão veio depois da grande polêmica envolvendo o Grupo Companhia das Letras e o livro Abecê da liberdade, de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, com ilustrações de Edu Oliveira.

Lançado originalmente em 2015 pelo selo Alfaguara, incorporado ao Grupo Companhia das Letras no mesmo ano, o livro conta a história da infância do abolicionista Luiz Gama. No livro, os criadores apresentam uma cena em que crianças negras pulam corda com correntes e brincam de escravos de Jó dentro do porão de um navio que trazia escravizados da África para o Brasil.

O livro ganhou reimpressão já com o selo Companhia das Letrinhas em 2020. De acordo com a apuração do UOL, foram vendidas cerca de duas mil cópias do título desde a sua publicação.

As editoras Malê e Nandyala foram as primeiras a deixarem o coletivo, antes mesmo da reunião do grupo. Na manhã dessa segunda-feira, publicaram notas em suas redes sociais. A Malê disse que “reafirma o seu compromisso com as vidas negras, com uma educação antirracista — que se coloca anterior à questão mercadológica. Repudiamos a desumanização dos indivíduos negros na literatura e entendemos que práticas discursivas racistas (inclusive na literatura) refletem diretamente na permanente situação de vulnerabilidade à morte em que vive a população negra”.

A Nandyala também se posicionou nas redes sociais. Disse que a Companhia das Letras se empenha em “se apresentar como antirracista, mas, institucionalmente, ela ainda está bastante arraigada à branquitude” e que “tem ficado evidente que o afã de assumir o antirracismo no seu catálogo editorial acaba se ligando mais ao caráter midiático-mercadológico da situação (oportunidade de vendas) do que, efetivamente, ao tratamento respeitoso das produções negras, em especial as literárias”.

Ainda no sábado (11), quando foi publicada a matéria do UOL, a Companhia das Letras apresentou nota em que assume o erro e informa que resolveu bloquear o livro. “Assumimos nossa falha no processo de reimpressão do livro, que foi feito automaticamente e sem uma releitura interna, e estamos em conversa com os autores para a necessária e ampla revisão (...). Esta edição agora está fora de mercado e não voltará a ser comercializada”, disse o documento.

Em nota enviada à redação do PN no fim da tarde desta terça-feira, a Companhia das Letras reforçou que o percurso construído ao lado das 11 editoras foi essencial para o grupo. "Temos apreço por ações coletivas no ambiente editorial, e nesse sentido, as trocas estabelecidas no projeto foram muito valiosas, tratando principalmente da potência da literatura para o debate entre educação e antirracismo", diz o documento.

A editora mais uma vez reconheceu o erro ao ter reimpresso Abecê da liberdade e nos processos que não impediram que o livro chegasse ao público e reforçou que o título foi recolhido e não está mais no seu catálogo. A nota finaliza dizendo que espera que essas ações "reabram caminhos para que o diálogo com as editoras continue existindo".

A íntegra da nota pode ser lida logo abaixo.

Sobre o encerramento do coletivo “Escola antirracismo: construindo comunidades afirmativas”, queremos reforçar que o percurso que construímos ao lado das 11 editoras foi essencial para o Grupo Companhia das Letras. Temos apreço por ações coletivas no ambiente editorial, e nesse sentido, as trocas estabelecidas no projeto foram muito valiosas, tratando principalmente da potência da literatura para o debate entre educação e antirracismo.

Em conjunto, produzimos conteúdos relevantes, mantivemos em pauta as relações entre educação e antirracismo e tratamos de temáticas que seguem urgentes para nós e para a sociedade como um todo.

Reconhecemos os erros no que tange a obra “Abecê da liberdade” e as falhas em nossos processos que não impediram que o livro chegasse ao público. Sentimos pelos ocorridos e que eles tenham resultado no término de uma ideia que valorizamos tanto, mas compreendemos as editoras que optaram por sair dessa conformação. Seguimos certos de que diversidade e antirracismo são o caminho correto, e continuaremos cotidianamente reafirmando tais valores com nossas publicações.

Estamos reavaliando tanto os nossos processos internos de apreciação/análise de conteúdo como todo o nosso catálogo. De imediato, interrompemos a comercialização do título, além de recolher os exemplares disponíveis do mercado (onde isso é possível). A obra está fora de catálogo.

Esperamos que essas e outras ações que tomaremos reabram caminhos para que o diálogo com as editoras continue existindo.


* Matéria atualizada às 19h40 de 14/09/2021 para incluir o posicionamento do Grupo Companhia das Letras

[14/09/2021 09:30:00]