A nova Política do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas de Pernambuco
PublishNews, Roberto Azoubel*, 25/02/2021
Em artigo, Roberto Azoubel, coordenador de Literatura da Secretaria de Cultura do PE, fala sobre a regulamentação do Plano Estadual do Livro, Literatura e Bibliotecas

No dia 6 de agosto do ano passado, o governador de Pernambuco Paulo Câmara sancionou a Lei nº 16.991, que institui uma nova Política Estadual do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas. A “caneta” de Câmara consagrou uma luta empreendida pelo setor que durou cerca de 14 anos. Foi uma paciente espera. No entanto, uma espera forjada num belo processo democrático e republicano de construção política. Conto um pouco dessa história nas linhas que seguem abaixo.

Trajetória

No dia 10 de agosto de 2006, os então ministros da Cultura e da Educação, Gilberto Gil e Fernando Haddad, respectivamente, instituíram o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). Esse documento, mais precisamente no seu Eixo 3 (intitulado “Valorização institucional da leitura e incremento de seu valor simbólico”), traz a seguinte diretriz: Ações para converter o fomento às práticas sociais da leitura em Política de Estado: Formulação de Planos Estaduais e Planos Municipais de Livro e Leitura (PELLs e PMLLs), formulação de políticas nacional, estaduais e municipais.

Nesse mesmo ano em Pernambuco, o Fórum Pernambucano em Defesa das Bibliotecas, Livro, Leitura e Literatura (FPEBLLL), uma organização composta predominantemente por membros e entidades da sociedade civil, tinha acabado de colaborar na construção da Lei do Livro do Recife. Envolvidos com as políticas do setor e motivados pelo frescor do PNLL, os participantes do Fórum passaram a vislumbrar a possibilidade de criação de um Plano Estadual que estabelecesse metas e ações para a área do livro e da leitura do Leão do Norte. A ideia, no entanto, não foi levada adiante de imediato e só foi retomada com vigor quando o FPEBLLL voltou a realizar reuniões de forma sistemática em 2011.

Concomitante às articulações do Fórum, a Coordenadoria de Literatura do Estado de Pernambuco se constituiu como instância independente, subordinada à então Diretoria de Políticas Culturais - atual Gerência de Políticas Culturais - da Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco. A Coordenadoria, em abril de 2012, realizou o 1º Seminário de Leitura, Literatura e Bibliotecas, evento no qual foi constituída a chamada Comissão Intersetorial de Literatura, colegiado de co-gestão formado por representantes do governo e sociedade civil. Este seminário marcou a aproximação do poder público estadual junto ao FPEBLLL, iniciando um intenso diálogo entre essas partes.

Ainda em 2012, a Secult-PE promoveu com as suas coordenadorias de linguagens artísticas uma série de encontros com as Comissões Intersetoriais para escuta e elaboração dos seus Planejamentos Estratégicos Situacionais, estruturado nas seguintes categorias: problemas, causas, consequências e ações. Foi sinalizado pela Comissão Intersetorial de Literatura que a ausência de um marco legal para o setor era a causa de vários de seus problemas e se encaminhou como deliberação a construção do PELLLB.

A partir de então, foram feitas mobilizações das prefeituras municipais, das Gerências Regionais de Educação (GREs) das 12 Regiões de Desenvolvimento (RDs) de Pernambuco, como também as articulações com as bibliotecas comunitárias, com a coordenação do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas Municipais e com instituições privadas (como o Sesc-PE) para participarem dos Seminários de Leitura e Bibliotecas, realizados durante as edições do Festival Pernambuco Nação Cultural . Nesses seminários foram proferidas palestras por membros da Comissão Intersetorial de Literatura e por especialistas das políticas do setor, como também foi construído um diagnóstico sobre a situação das bibliotecas públicas no Estado, que serviu de subsídio para o processo de construção do plano.

Em maio de 2013, foi realizada na Assembleia Legislativa de Pernambuco uma Audiência Pública no intuito de convocar a população e os trabalhadores do setor do livro, leitura, literatura e bibliotecas para debater a construção de uma nova Política Pública de Leitura para o Estado. Foi também o momento em que a Secretaria de Cultura passou a colaborar nos Encontros Estaduais de Bibliotecas, dos quais saíram deliberações importantes para a elaboração do PELLLB. Ainda nesse ano, foi feito o primeiro contato institucional com a Secretaria de Educação e Esportes do Estado (SEE-PE), visando à participação conjunta no Plano (tal como se deu entre os dois ministérios no PNLL). A partir dessa interação governamental, começou a se desenhar a formação de um Grupo Executivo de Trabalho, cuja as funções seriam a de se debruçar na análise dos dados e de construir o texto do almejado documento.

Paralelamente, desde 2012, a Secretaria de Cultura e o FPEBLLL passaram a realizar escutas públicas nas 12 Regiões de Desenvolvimento (RDs) de Pernambuco, usando o método do Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) e aplicando questionários para as bibliotecas, com o intuito de mapear os problemas e ouvir propostas para solucioná-los. Essas escutas se estenderam até 2017 e contaram com 461 representantes das três cadeias do setor (a saber: Criativa, Mediadora e Produtiva).

Em outubro de 2016, o Grupo Executivo de Trabalho foi oficialmente instituído com a seguinte composição: seis membros eleitos da sociedade civil e pela indicação de seis representantes do governo estadual, oriundos da SEE, Secult, Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) e da Universidade de Pernambuco (UPE). O grupo realizou estudos, pesquisas e diagnósticos de informações, através da leitura de documentos e leis já existentes e da sistematização dos dados levantados nos eventos e escutas relatados acima. No ano de 2018, o Grupo Executivo de Trabalho entregou o texto do PELLLB, com metas e ações previstas para o período entre 2019-2029. Levado à plenária do Conselho Estadual de Política Cultural de Pernambuco (CEPC-PE), o Plano foi aprovado por unanimidade. Logo na sequência, a Secult elaborou um Projeto de Lei (PL) estabelecendo as novas diretrizes e objetivos para a Política Estadual do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas e regulamentando a existência de uma política de planos para o setor. Em julho de 2020, o PL foi aprovado na Assembleia Legislativa de Pernambuco, sem qualquer intervenção dos deputados da casa. De lá saiu, conforme prevê o trâmite institucional, para ganhar a sanção do governador.

Sintonias e avanços

A lei sancionada por Paulo Câmara acompanha, em conteúdo e estrutura, sua legislação equivalente na esfera federal, a Lei Nº 13.696 (conhecida como “Lei Castilho”), que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita. Esta, no seu artigo 4º, regulamenta o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), documento que estabelece diretrizes básicas para assegurar:

1) a democratização do acesso ao livro;

2) o fomento e a valorização da leitura; e

3) o fortalecimento da cadeia produtiva do livro como fator relevante para o incremento da produção intelectual e o desenvolvimento da economia nacional.

A lei estadual segue as mesmas diretrizes. Também no seu artigo 4º, ela regulamenta os Planos Estaduais do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (PELLLBs), que servirão de bases para as políticas públicas do setor em Pernambuco. Os planos estabelecem metas e ações do poder executivo para ciclos decenais, sempre construídas com a participação da sociedade civil. Esse modelo de atuação planejada em decênios é inédito entre todos os setores artístico-culturais de Pernambuco. Ele aponta para duas vantagens evidentes: os planos com essa duração temporal permitirão a continuidade das políticas para além de uma gestão governamental (que, no máximo podem chegar a oito anos); e, através deles, institui-se, pelo caráter desse tipo de documento, uma maior flexibilidade às necessidades da população e a adequação às mudanças da realidade, próprias do desenvolvimento da sociedade – planos podem ser avaliados e alterados ao longo dos seus percursos.

O mesmo artigo citado acima, mais precisamente no seu parágrafo 4º, prevê uma conquista importantíssima que é a indicação das metas prioritárias relativas à implantação do PELLLB pelas Secretaria de Cultura e Secretaria de Educação e Esportes na Lei Orçamentária Anual (LOA). Em outras (e resumidas) palavras, haverá recursos para implantar as políticas contidas nos planos.

Por fim, vale destacar também que a Lei nº 16.991, ao instituir esse modelo de política planejada, dialoga com a meta 46 do Plano Nacional de Cultura (PNC), que estabelece o objetivo de alcançar 100% dos setores artístico-culturais representados no Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC) com colegiados instalados e planos setoriais elaborados e implementados, conforme previsto pelo Sistema Nacional de Cultura (SNC). O Plano Estadual de Cultura de Pernambuco tem como uma de suas ações a institucionalização do Sistema Estadual de Cultura com todos os componentes do SNC - incluindo, na mesma lógica sistêmica da esfera federal, seus subsistemas setoriais. Os planos dos setores artístico-culturais estão, portanto, prenunciados nessa estrutura. O PELLLB é o primeiro deles. Sua regulamentação, importante pelas razões apontadas nesse texto, é um marco inaugural nas políticas culturais pernambucanas e uma peça de construção no desafio de instituir o Plano Nacional de Livro e Leitura no país.


* Roberto Azoubel é doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio e atualmente é Coordenador de Literatura da Secretaria de Cultura de Pernambuco.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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