Raduan Nassar, que em edição recente a revista New Yorker chamou de "o maior escritor brasileiro", recebeu na manhã da última sexta-feira (17), o Prêmio Camões. Clarice Lispector e Saramago foram premiados anteriormente.
Eu teria ido de qualquer forma só para conhecer de perto o autor de Lavoura arcaica e Um copo de cólera, que escreveu duas obras primas, enjoou, e foi tratar de assuntos rurais na fazenda no interior de São Paulo para nunca mais pegar num lápis.
Penso em tanta bobagem sendo produzida por aí, a minha incluída, e no tempo perdido de quem escreve e, sobretudo, de quem desavisadamente se põe a ler.
Raduan chegou manso, andar apertadinho, fala baixa, sorrindo constrangido com o alvoroço. Agradeceu o prêmio e pediu desculpas ao embaixador português por falar só do Brasil e de um assunto que talvez só interesse aos brasileiros. E desandou a lamentar a situação do país nas mãos de um governo de exceção, com gente como Alexandre de Moraes e outros, um governo repressor, responsável por escolas ocupadas, contra as universidades federais, contra os trabalhadores, contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua.
Para não cansar a turma, embora o evento fosse no aprazível jardim do Museu Lasar Segall, Raduan terminou logo e foi sentar-se ao lado do embaixador português, sua roupa muito casual contrastando com o elegante terno escuro do diplomata.
E então, lamentavelmente, o ministro Roberto Freire, com licença oficial, mas nem sempre reconhecida para falar, decidiu responder ao escritor homenageado. Disse que entende a ignorância dos jovens, que não conheceram o golpe de 64, mas que os mais velhos deveriam saber que o que vivemos hoje é uma democracia plena. E veio a vaia. E o Fora Temer.
O elegante jardim transformou-se num palanque com troca de ofensas e xingamentos entre Roberto Freire e os presentes sobre impeachment e legitimidade e desonestidade e vaias e palmas e as afinadas crianças do coral saíram de fininho, os garçons recolheram a louça, o Raduan Nassar esquecido, sentadinho ao lado do português, o improviso nas mãos, torcendo praquilo acabar logo e ele voltar a pensar nas vacas da sua fazenda, aliás, doada recentemente à Universidade de São Carlos.
Já Camões, que gostava de uma briga, teria apreciado.
