Livros de Literatura Fantástica fazem crescer o mercado editorial
PublishNews, Silvio Alexandre*, 06/08/15
O editor e gestor cultural Silvio Alexandre escreveu um artigo especialmente para o PublishNews sobre a Literatura Fantástica e a sua importância no mercado editorial

Durante décadas nenhum romance de literatura fantástica (em suas três manifestações literárias principais: a ficção científica, a fantasia e o horror) estava autorizado a aparecer na lista dos mais vendidos no New York Times. Isso independente do número de exemplares vendidos. Um dos exemplos mais conhecido foi uma obra de Stephen King que, no início de 1970, vendeu um milhão de exemplares em um mês e não apareceu na lista, enquanto um livro que vendeu seus 50 mil exemplares figurava na primeira posição.

Aí, você pergunta por quê? Bom, porque na época o trabalho desses autores não era considerado literatura. Da mesma forma que não eram considerados outros gêneros como o faroeste, o mistério, o suspense e outros que tais. E essa postura não ficava restrita apenas em Nova York ou outras cidades americanas.

Aqui no Brasil esse preconceito também existia – ou continua existindo, como vimos em recente declaração de uma autora brasileira consagrada que afirmou que um livro de fantasia como a série Harry Potter "não é literatura, é uma besteira". Mas minha proposta aqui, não é reascender essa questão que já teve diversas discussões a respeito.

Comecei citando o New York Times apenas para falar da atual mudança de paradigmas que o mercado editorial brasileiro está passando. E não estou falando dos e-books que, com certeza, merecem uma discussão só sobre eles. Quero falar do crescente interesse da juventude pelos livros, em plena era da internet e suas redes sociais, que reflete no crescimento e na expansão do mercado para este público.

Basta dar uma olhada nas listas de livros mais vendidos de uns anos para cá para percebemos que esses livros, protagonizados por personagens como bruxos, elfos, seres mitológicos, vampiros, anjos, zumbis, entre outros personagens com características sobrenaturais e fantásticas estão se destacando.

Esse segmento ficou tão significativo que o investimento das editoras tem aumentado de forma substancial, chegando a acontecer verdadeiros leilões para adquirir o direito de publicação de títulos para esse público. E até mesmo criou subdivisões, bem além da classificação de “infantojuvenil”.

Hoje temos a chamada literatura “young adult” (em tradução literal, “jovens adultos”, voltado para leitores entre 13 e 18 anos de idade), surgiu mais recentemente o “new adult” (“novos adultos”, entre 18 e 25 anos). Lógico que essas designações das faixas etárias vão se atualizando – até para medições de mercado –, mas o que muda em ritmo rápido são os gêneros, inventados e revalorizados a cada nova onda.

O fenômeno já vinha sendo delineado há tempos em livros como as Crônicas vampirescas (1976), conjunto de obras da escritora Anne Rice narrando a história do vampiro Lestat e outros, com sua nova visão do vampiro; As brumas de Avalon (1979), de Marion Zimmer Bradley apresentando uma visão feminina da lenda do Rei Arthur; O senhor dos anéis, de J.R.R. Tolkien, principalmente depois dos filmes do cinema em 2001.

A série Harry Potter, de J.K. Rowling, acabou virando um movimento social em torno de um livro, um movimento que arrebatou dezenas de milhões de jovens. Foi graças a essa "besteira" que o mercado editorial no Brasil deu uma guinada enorme. Entre tantas contribuições que teve, foi Harry Potter que acabou com o pensamento que todas as nossas editoras seguiam: "adolescente não lê livro grosso".

Alguns exemplos recentes são os romances de uma vertente da ficção científica, a chamada distopia (estilo clássico de obras como 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, com narrativas que se passam em futuros sombrios, nos quais a sociedade tem uma estrutura injusta e regras abusivas instituídas em nome do bem-estar coletivo) como Jogos Vorazes, de Suzanne Collins, e Divergente, de Veronica Roth.

Outros sintomas que tenho detectado são cursos que estão acontecendo como o recente promovido pelo Publishnews tentando entender como os fãs revolucionaram a cadeia editorial, desde a aquisição e títulos, passando pela produção e pelas formas de publicação e divulgação. Todos estão querendo descobrir quais os motivos dessa explosão da literatura fantástica nos últimos anos com o surgimento de novos selos e porque as editoras estão investindo forte na formação de catálogos do gênero.

Hoje temos as grandes editoras criando selos somente para abrigar esse tipo de livro. O exemplo mais significativo é a Companhia das Letras que deixava explícito para aqueles que queriam enviar seus originais para avaliação a conhecida frase: "não publicamos ficção científica". E agora para abrigar o gênero teve que se render com a criação do selo Seguinte, cuja última grande aquisição foram duas séries inéditas do universo de Star Wars para o público young adult.

Duas editoras que estão fazendo um trabalho exemplar desse novo momento são a Editora Aleph, especializada em livros de ficção científica, e a Darkside, especializada em terror e de suspense. Elas fazem um trabalho voltado para os seus leitores, com uma preocupação de apresentar livros de qualidade gráfica e design bem cuidados, conteúdo extra e traduções bem feitas. Desta forma, os livros se tornam objeto de desejo e ganham espaço especial na biblioteca do leitor.

Vou apresentar a seguir duas conclusões que se alinham com a minha opinião que talvez possam ajudar a entender um pouco mais esse interesse dos jovens. A primeira foi feita no painel Literatura fantástica - a preferência dos leitores adolescentes, durante o III Encontro Científico e Simpósio de Educação Unisalesiano, em Lins: "o mundo fantástico presente nestes romances são mundos em que o leitor não alcança quando lê outras literaturas, e muitas vezes é este fantástico e sobrenatural que faz com que quem lê possa compreender a realidade, saber dosar o que é real e o que é ficção e, de repente, fazer com que a vida seja vista com olhos mais abertos e seja também mais compreensível e prazerosa".

A segunda é o trabalho O gênero literário fantástico apresentado pelos professores Luís Cláudio Ferreira Silva e Daiane da Silva Lourenço, durante o V Encontro de Produção Científica e Tecnológica, organizado pelo Núcleo de Pesquisa Multidisciplinar, da FECILCAM: "tal gênero abandonou a sucessão de acontecimentos surpreendentes, assustadores e emocionantes para adentrar esferas temáticas mais complexas. Devido a isso, a narrativa fantástica passou a tratar de assuntos inquietantes para o homem atual: os avanços tecnológicos, as angústias existenciais, a opressão, a burocracia, a desigualdade social. Assim, o gênero fantástico deixou de ser apenas narrativa de entretenimento".

Do meu ponto de vista, considero que a literatura fantástica, apesar das dificuldades em precisar as fronteiras deste gênero, cria uma oportunidade de reflexão. Ela passou por diversas transformações desde que surgiu e chegou ao século XXI como uma narrativa mais sutil. Agora, ao invés de ocasionar o medo, passou a criar incerteza no leitor alterando a realidade e colocando no enredo elementos sobrenaturais. Ela nos revela não apenas uma nova descoberta, mas uma nova maneira de descobrir. Por isso, concordo com a professora Karin Volobuef, da UNESP ao afirmar que a literatura fantástica “não cria mundos fabulosos, distintos do nosso e povoados por criaturas imaginárias, mas revela e problematiza a vida e o ambiente que conhecemos do dia-a-dia”.

Acho que uma possível explicação pelo crescente interesse dos jovens pelos livros do gênero, talvez seja que eles passaram a buscar em páginas que retratam fatos tão distantes da realidade, um mundo onde possam estar em contato com sentimentos e sensações que não são alcançáveis em qualquer literatura.


* Silvio Alexandre é editor e gestor cultural com formação em Letras pela USP. Criou e dirigiu diversas coleções de literatura fantástica e de quadrinhos. É o criador do Fantasticon – Simpósio de Literatura Fantástica e é membro da Comissão Organizadora do Troféu HQMIX.


[06/08/2015 10:32:08]