A década parada
PublishNews, Carlo Carrenho, 09/06/2015
Setor editorial cresceu apenas 5,79% enquanto o PIB avançou 39,45% na década de 2005 a 2014. As vendas ao setor privado tiveram queda acumulada de 1,13% no período

Na última semana, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) divulgaram a edição de 2015 da Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial, com dados de 2014 coletados e analisados pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). As notícias não foram boas porque o mercado editorial como um todo recuou 5,16% em termos reais, perda esta liderada pela queda real de 21% do faturamento proveniente de vendas ao governo. As vendas ao mercado privado até que resistiram e tiveram crescimento real de 0,86%. Mas assim como uma andorinha só não faz verão, um ano só não faz uma série histórica. É fundamental estudar o comportamento do mercado ao longo dos anos para entender suas tendências e desconsiderar possíveis sazonalidades. Infelizmente, o cenário não é muito melhor na última década. Nos anos de 2005 a 2014, o mercado se apresenta próximo à estagnação com crescimento de apenas 5,79% na década enquanto o PIB crescia 39,45%. Mas, desta vez, não se pode reclamar do governo. As compras estatais, após grave queda de 19,80% em 2005, se recuperaram e apresentaram um crescimento na década de 38,35%. O mercado privado, no entanto, permaneceu praticamente estagnado entre 2005 e 2009, assim como entre 2012 e 2014, mas recuos em 2010 e 2011 fizeram com que na década houvesse queda de faturamento na ordem de 1,13%. Análises de longo prazo como esta, no entanto, não eram possíveis de serem feitas com precisão estatística até agora. Isto porque, em 2010, os responsáveis pela Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial realizaram um Censo para atualizar a relação entre a amostra obtida dos editores e o universo do mercado. "Entre novembro de 2010 e abril de 2011, foi realizado o Censo do Livro, que buscou justamente aferir os números referentes ao universo do setor livreiro até então utilizados. As informações solicitadas referiram-se ao ano de 2009", explicaram na época os pesquisadores. E a principal descoberta do Censo é que o universo do mercado era maior do que aquele que vinha sendo inferido ao longo dos anos a partir das amostras coletadas. Em 2009, por exemplo, observou-se que o faturamento dos editores havia alcançado R$ 4,2 bilhões e não apenas R$ 3,3 bilhões como havia sido apontado no pesquisa divulgada em 2010. O slide abaixo, da própria apresentação da pesquisa feita em 16/8/2011, ilustra a questão [clique nas imagens para ampliá-las]:

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E embora na época a Fipe tivesse recalculado com base no novo Censo todos os anos até 2004, estes números nunca haviam sido divulgados publicamente. Isto causava problemas em qualquer análise, pois criava-se uma ruptura na série história em 2009. Ou seja, era impossível fazer maiores comparações e muito menos criar uma curva contínua. O resultado era um gráfico como este. Felizmente, em abril deste ano, o SNEL liberou os dados históricos para o PublishNews, o que permite a análise sobre o que aconteceu com o mercado editorial brasileiro na última década. Em primeiro lugar, é importante apresentar os dados em valores nominais da década de 2005 a 2014, atualizados de acordo com o Censo do Livro feito em 2010:
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Embora valores nominais sejam importantes como base para qualquer estudo, é importante sempre deflacioná-los e trazê-los ao valor presente – ainda mais considerando que a inflação da década em questão ultrapassou 60%. É só assim que se pode inferir o crescimento real de qualquer setor. A tabela a seguir, portanto, apresenta os dados da Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial em valores de 2014, deflacionados pelo IPCA:
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Na tabela acima, já se percebe o crescimento das vendas ao governo e a estagnação do setor privado, mas o gráfico a seguir explicita claramente o que ocorreu na década:
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Como se observa no gráfico acima, as variações no faturamento real são causadas basicamente pelas oscilações nas vendas ao governo, pois o mercado privado se apresenta como uma reta praticamente horizontal. É importante observar também que, enquanto as vendas ao governo cresceram consistentemente entre 2005 e 2011, elas vêm caindo desde então. No entanto, nem tudo é notícia ruim. O gráfico abaixo apresenta as curvas do número de exemplares vendidos pelos editores na década de 2005 a 2014 e o crescimento é bastante claro:
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Como se pode observar neste gráfico e na tabela acima, o total de exemplares vendidos passou de 278,5 milhões em 2005 para 435,7 milhões em 2014. Se considerarmos a venda de 295,5 milhões de exemplares em 2004 apurada pela Fipe após o Censo (houve queda no número de exemplares vendidos ao governo em 2005), o crescimento na década foi de 47,45%. E com exceção de 2012 e 2014, temos tido crescimento no número de exemplares vendidos desde 2005, com o mercado privado apresentando o crescimento mais consistente. Como o faturamento cresceu muito menos que o número de exemplares vendidos, é claro que o preço médio do livro vendidos caiu. Tudo isto é bastante positivo para a sociedade brasileira, pois mais pessoas estão sendo alcançadas pelos livros e o preço médio inferior torna o livro mais acessível. Economicamente, no entanto, a venda de mais exemplares impactou pouco o faturamento e não foi suficiente para alavancar o crescimento do setor. Vale aqui lembrar também que este preço médio dos livros não pode ser usado como um índice de preços. Ou seja, como o livro médio não está fixado e pode variar ao longo dos anos, é impossível afirmar estatisticamente que os livros estão mais baratos, pois formatos e número de páginas podem ter diminuído também. Ainda assim, é bem-vinda a notícia de que o preço médio do livro diminuiu. Finalmente, o gráfico a seguir apresenta a curva de crescimento do setor editorial de livros comparada com a curva de crescimento do PIB:
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Como se vê, a distância entre as duas curvas é grande e o mercado de livros passou a última década longe de acompanhar o crescimento geral da economia. Afinal, como apontamos no início desta análise, o PIB cresceu 39,45% em termos reais entre 2004 e 2015, enquanto o faturamento dos editores de livros cresceu apenas 5,79%.

[09/06/2015 00:00:00]