Apesar das incertezas, é hora de começar
PublishNews, Maria Fernanda Rodrigues, 01/04/2010
Congresso do Livro Digital termina com dúvidas e expectativas quando ao próximo passo. Mas a lição é: ele tem que ser dado logo

Ontem, no dia dedicado às ideias brasileiras sobre o assunto mais comentado do momento no mercado editorial internacional, dúvidas, repetições, insegurança e uma revelação tímida. Da plateia do 1º Congresso Internacional do Livro Digital, veio a informação de que o Submarino corre para não ficar atrás das livrarias Cultura, Saraiva, Gato Sabido e Singular na venda de e-book. Marcílio Pousada, presidente da Saraiva, disse que esse é o momento de colocar a mão no bolso para fazer o negócio acontecer. Jorge Carneiro, diretor do Grupo Ediouro, comentou que existe uma tendência de esperar definições nos Estados Unidos. “Se pudermos ir começando e adotando um modelo que preserva o valor do livro, é melhor ir começando”.

Silvio Meira, do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, insistiu no que já havia sido dito: a tecnologia não precisa estar pronta para começarmos a usá-la. E fez uma previsão: “O modelo de livro do futuro vem do Facebook, do Google e dessas redes- e não através do pessoal que está digitalizando livro. Trata-se do modelo de formação de comunidades e não mais de disseminação de informação”.

Sérgio Valente, da DM9DDB, deu a deixa... Se existem 162 milhões de celulares no Brasil, por que as editoras não criam um livro para esse formato e enviam, por SMS, uma página por dia? “Duvido que o povo não vá ler”.

Confira os destaques das palestras

Logo pela manhã, dúvidas e mais dúvidas. O economista Claudio Moura de Castro se pergunta: “Quem vai preparar o novo livro? Quem vai pagar pelo esforço de preparação do novo livro? Quem faz o livro vai aprender a fazer balangandam ou quem faz balangandam vai aprender a fazer livro?” Para ele, há uma forte competição entre as “software houses” e as editoras. “No mundo real, editoras sabem fazer texto e não sabem fazer mais nada”, disse ainda.

“A crise veio e está obrigando um reposicionamento do meio editorial. O livro não irá acabar, especialmente porque expressa uma parte admirável da cultura humana. Nos livros, se incorporaram todos os saberes da modernidade e da antiguidade”, acredita Aníbal Bragança, coordenador do Núcleo de Pesquisas sobre Livro e História Editorial do Brasil, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, o impresso não será mais o centro da galáxia, mas as pessoas que sentem prazer em tocar e cheirar o livro darão permanência a ele.

O americano radicado no Brasil desde 1971 e professor da ECA-USP, Fredric Michael Lito, ressalta que não é nada novo o surgimento de tecnologias nos últimos anos. “Tivemos a música em fitas, fita cassete de vídeos, discos de vinil, câmeras Polaroid. Tudo foi criado e foi embora”. Ele é coordenador da Escola do Futuro, um laboratório de pesquisa que investiga as novas tecnologias de comunicação em aplicações educacionais, e presidente da Associação Brasileira de Ensino à Distância. De acordo com ele, ainda é difícil prever qual será o uso dessa nova tecnologia. E lembra uma declaração de Graham Bell logo após inventar o telefone, quando pensava ter criado o rádio. “Esse aparelho vai ser ótimo: depois do jantar de família, o pai pode ligá-lo para toda a família ouvir um concerto musical”.

Futurologia e mercado consumidor

O publicitário Sérvio Valente disse que não era astrólogo ou tarólogo e por isso não sabe aonde isso tudo vai dar. Mas explicou que conhece um pouco o perfil do consumidor brasileiro e isso também devia importar aos editores. “Vocês são tão vendedores quanto os das Casas Bahia”. Ele mostrou, por exemplo, que há 110 mil lan houses no Brasil. “Computador é coisa de pobre e as lan houses são as praças das famílias”. Geralmente estão instaladas ao lado de salões de beleza “porque a pessoa nunca vai deixar de fazer a sua chapinha e checar o e-mail e os recados no Orkut”. Esse é um dos fatos que mostram a maior conectividade das pessoas. “Paradoxamente está nascendo uma geração de leitores e escritores. Não tenham medo do computador; abracem-se a ele”, sugeriu.

Ele considera papel e tinta como meio e o conhecimento, fim. “Como ele vai chegar, não importa”. Para ele, a hora é de experimentar. Se há tantos celulares no Brasil – são 162 milhões, por que não lançar um livro que vai sendo enviado diariamente por SMS, página por página, questiona. “Vocês são livreiros, são conhecimenteiros e entretenimenteiros. Redefinam seus papéis e usem a mídia a seu favor. “Se não der certo, qual é o problema em desistir daquela tecnologia?” Por fim, brincou: “Não fiquem com síndrome de Highlander (There will be only one)!” Tecnomaníaco, disse: “Tenho o Kindle e já enchi o saco dele porque ele é chato pra caramba. Meu iPad chega na semana que vem”.

Edições inesgotáveis

Guy Gerlach, presidente da Pearson Education do Brasil, considera que a dificuldade de acesso não pode ser desculpa para entrar na ilegalidade. Ele comentou sobre Biblioteca Virtual da Pearson, lançada em 2005, que permite leitura na tela sem precisar fazer download de arquivo, impressão avulsa, pesquisa, anotações de estudo e mais. De acordo com ele, o ponto de partida é o conteúdo digital e esse mesmo conteúdo vai servir para vários usos.

O poder da pessoa física no que diz respeito à produção e criação é crescente e o modo de receber conteúdo, diferente. “Precisamos produzir o que o consumidor está pedindo, não o conceito do marketing de um mercado consumidor”. Ele entende que pela primeira vez a pirataria de livros – fotocópias – está ameaçada. “Temos outras formas de entregar esse pedaço de conteúdo ao estudante, que pagará através de micropagamentos”. Para ele, uma das vantagens da digitalizalção de livros de referência é que a edição se tornará inesgotável. E finalizou: “O livro digital no Brasil é ameaça e oportunidade e só depende de como vamos encará-lo”.

Tomando as rédeas

O diretor-presidente da Livraria Saraiva, Marcílio Saraiva contou sobre a história da rede que tem hoje 3 mil funcionários e comentou sobre a nova operação de venda de livros digitais, assunto da entrevista concedida ao PublishNews na última terça-feira e destaque no site e na newsletter de ontem. Ele mostrou três grandes momentos para a empresa: 1996, com a abertura da primeira megastore no Brasil; 1998, lançamento da Saraiva.com; e 2008, com a compra da Siciliano, “a nossa concorrente de vida inteira”. À época da inauguração da loja virtual, os acionistas chegaram a se preocupar com uma futura ameaça que a ponto com representaria às lojas físicas.

Com esse novo projeto da loja de e-books, “estamos olhando para daqui a 10, 15 anos”. Segundo ele, o momento é de investimento e os descontos oferecidos às editoras para os livros impressos devem ser preservados neste novo negócio.

“Apostamos que o livro impresso não morre. Uma parte dos clientes vai comprar o conteúdo digital, mas não sabem quando”, diz. Marcílio não acredita em uma plataforma única e pensa que os atores desse mercado são os principais agentes para oferecer o serviço ao cliente. “A Saraiva, os concorrentes e os editores têm a responsabilidade de liderar essa mudança, não as empresas de tecnologia”.

Ele comentou sobre a participação em redes sociais, como o Twitter, onde a Saraiva tem a impressionamente marca de quase 54 mil seguidores. “Eles não estão aqui só para pegar oferta. Eles brincam, reclamam, falam. Eles serão o nosso cliente do futuro”.

Para quem quer entrar nesse mercado, sugeriu: “Se não fizer de forma simples, não faça” Ele falou ainda sobre a expectativa dos compradores. “É terrível falar e explicar isso para o autor, mas o cliente quer e acha que tem o direito de receber algo de graça”.

“Se a mudança for mal montada, vai gerar problema entre todos como estamos vendo nos Estados Unidos”. A Saraiva quer continuar construindo lojas e elas serão “templos dentro dos shoppings”. O investimento é alto e deve ser assim para toda a cadeia produtiva. “A gente vai ter que botar a mão no bolso. O maior entrave é onde investir o dinheiro para que esse negócio comece”.

Quanto aos preços, disse que está conversando com as editoras e não acredita em preços abusivamente baixos. Os descontos para as editoras devem seguir a regra do livro físico. “Não queremos ser predadores de preços, mas é lógico que queremos ser competitivos.

Variação de preço deve ser restrita

Jorge Carneiro, presidente do Grupo Ediouro, acredita que o livro eletrônico pode ajudar a atrair mais leitores. “Mas como não é uma solução para tudo não vai resolver”. Ele acha que os preços serão mais baixos. Ele contou que a Ediouro já está nesse mercado com a Singular, que vende os livros eletrônicos e faz impressão sob demanda. E sugeriu que mais gente entre no novo mercado. “Existe uma tendência de esperar definições nos Estados Unidos. Se pudermos ir começando e adotando o que preserva o valor do livro, é melhor ir começando”. Quando à cópia ilegal, disse “quem comprou o device não é uma pessoa propensa a fazer pirataria”. Ele explicou à plateia como está sendo a precificação nos Estados Unidos e afirmou que o Brasil não precisa ter o modelo de agência, “mas a variação deve ser restrita”.

Futuro chegou, mas não está homogeneamente distribuído

Silvio Meira, cientista-chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife e presidente do conselho de administração do Porto Digital, contou que os primeiros livros no formato de hipertexto foram propostos na década de 60. “O que está acontecendo agora vem vendo construído, testado, há mais de 50 anos”. Para ele, o futuro já chegou, “mas ainda não está homogeneamente distribuído”. E disse que a revolução vem do futuro para o presente e não é uma consequência natural do passado. Repetiu o que outros palestrantes já haviam mencionado: a tecnologia não precisa estar pronta para começarmos a usar.

O que vem pela frente é chamado por Meira de conteúdo, e não mais livro. A ideia de livro digital só existe por causa da rede e talvez por isso devesse ser chamado de serviço e não de produto. “Rede é o nome do nosso jogo. Não é o livro ou o leitor”. Nesta economia do conhecimento, um bom negócio é uma comunidade com um propósito e não uma propriedade qualquer.

Sua preocupação é com relação ao formato. “Quais são as fundações da infra-estrutura de informação que façam com que um livro comprado em 2010 seja legível em 2050”, pergunta.

O modelo de livro do futuro vem do Facebook, do Google e de outras redes, e não através do pessoal que está digitalizando livro. Trata-se do modelo de formação de comunidades e não mais de disseminação de informação. “Estamos num momento de transição. Pode acontecer tudo ou nada. O método é experimentar”.

No encerramento, Hubert Alquéres, presidente da Imprensa Oficial, contou que pretendem fazer uma segunda rodada de discussão na Bienal do Livro.

[01/04/2010 00:00:00]