Retrato social, ontem e hoje
PublishNews, Redação, 05/08/2009

O livro que representou para a literatura "o mesmo que a Revolução Francesa na história". A definição é do crítico Sérgio Paulo Rouanet, sobre Os miseráveis (Cosac Naify, 1280 pp., R$ 99 - Trad.: Frederico Ozanam Pessoa de Barros), de Victor Hugo, que tem nesta sua versão definitiva em português, em tradução inteiramente revista e adequada à leitura contemporânea, incluindo 816 notas de pé de página, elucidativas do contexto histórico e cultural da França no século XIX. O fio condutor da história é o personagem de Jean Valjean, que, por roubar um pão para alimentar a família, é preso e passa 19 anos encarcerado. Solto, mas repudiado socialmente, é acolhido por uma noite por um bispo. O encontro transforma radicalmente sua vida e, após mudar de nome, Valjean prospera como negociante de vidrilhos, até que novos acontecimentos reconduzem-no ao calabouço. A obra tornou-se uma das mais difundidas da literatura mundial, desde sua época capaz de concretizar uma rara alquimia entre a produção literária de alto nível e uma penetração entre leitores de todas as classes sociais.

Às seis horas da manhã do dia 15 de maio de 1862, os moradores da Rue de Seine, em Paris, depararam-se com uma cena que nunca tinham visto: à frente da loja do livreiro Laurent-Antoine Pagnerre, localizada naquela rua, pessoas pobres e ricas, munidas de carrinhos de mão, gamelas e cestas, espremiam-se para comprar um livro que estava exposto em pilhas do chão até o teto. Poucas horas depois, não restava nenhum exemplar na loja. O rebuliço, que se repetiu em toda a França, deu-se por causa de um romance que, mesmo antes de lançado, tornara-se o mais célebre do país: Os Miseráveis. Desde o mês de setembro do ano anterior, a imprensa noticiava que o livro que estava por vir não seria um qualquer, mas o drama social e histórico do século XIX., ou um espelho que reflete a raça humana, capturada num determinado dia de sua enorme existência.

Trata-se de um romance que ilustra com perfeição a ideia de clássico como obra que se propõe a expressar o todo de uma experiência social e anímica. Raríssimas foram as ocasiões em que um autor condensou na mesma história reflexões sobre um leque tão variado de temas. Na abertura da segunda parte, por exemplo, pode-se ler um dos relatos mais expressivos já feitos sobre a batalha de Waterloo. Na quarta parte, o narrador faz um alentado elogio ao uso da gíria, distanciando-se, assim, de outros autores do Romantismo, no mais das vezes defensores de uma dicção elevada. Do mesmo modo, a revolução de 1830, as pequenas cidades da França, Paris e a vida religiosa são personagens tão representativos do livro quanto Cosette ou Thénardier. Basta dizer que perto de um terço de suas páginas é dedicado a assuntos que não se relacionam diretamente ao enredo.
[05/08/2009 00:00:00]