Poesia não vende?
PublishNews, Ricardo Costa, 06/03/2009
No começo do século XX, quando a poesia mundial se inflamava de modernidade e as enumerações encadeavam-se, verso livre após verso livre, Cesare Pavese (1908-1950) recusou as linhas-mestras desta lírica moderna e, com projeto definido, pôs-se a escrever com a métrica clássica de anapestos e a falar de camponeses, adolescentes e bêbados que vagavam pelas colinas de seu Piemonte natal. Reunindo 70 poemas escritos entre 1930 e 1940, Pavese estreou na poesia narrativa com Trabalhar cansa, que a Cosac Naify e a 7 Letras lançam em edição bilíngue, nesta sexta-feira, dia 6, pela coleção Ás de Colete. Importante tradutor, editor e escritor, Pavese combina em sua obra uma formação clássica sólida, imersa no caldo cultural moderno da época na Itália.

Trabalhar cansa foi inicialmente publicado em 1936, pela revista Solaria, com poemas compostos até 1935; em 1942, o próprio Pavese fez, pela editora Einaudi, uma edição excluindo sete poemas da publicação anterior e incluindo, além dos poemas que compôs até 1940, dois textos acerca de seu metier. A coleção de poesia Ás de colete que é editada pela Cosac Naify, de São Paulo, em parceria com a editora 7 Letras, do Rio de Janeiro, publica poetas nacionais e estrangeiros contemporâneos. Iniciada em 2002 com Lero-Lero, reunião da obra poética de Cacaso e Antologia, primeiro livro publicado no Brasil da poeta portuguesa Adília Lopes, os volumes têm edições bilíngues, no caso dos poetas estrangeiros, projeto gráfico diferenciado e são complementados por prefácios, biografias e bibliografias.

A coleção, que chega ao oitavo volume com Trabalhar cansa, já ganhou dois prêmios APCA: em 2006 para Poesia reunida [1969-1996], de Orides Fontela, e em 2008 para Belvedere, de Chacal. Também teve duas indicações ao Prêmio Portugal Telecom: em 2006 para Quase uma arte, de Paula Glenadel, e em 2008 para 20 poemas para seu walkman, de Marília Garcia. A coordenação do projeto é de Carlito Azevedo e tem uma "alma gêmea" pocket, a coleção Ás de colete de bolso, que tem hoje 12 títulos editados. Será mesmo que poesia não vende? Abaixo, um gostinho da poesia de Pavese, Noturno:

Noturno

A colina é noturna no claro céu.
Ela enquadra tua testa que mal se mexe
e acompanha esse céu. Tu pareces a nuvem
entrevista entre os ramos. Sorri em teus olhos
a estranheza de um céu que não é o teu.

A colina de terras e folhas encerra
com a massa escura a tua viva mirada,
a tua boca tem dobras de um doce entalhe
entre as costas longinquas. Pareces brincar
com a grande colina e a clareza do céu:
reconstróis para mim o cenário antigo
e o convertes mais puro.

Mas vives distante.
O teu cálido sangue se fez na distância.
As palavras que dizes não se correspondem
com a dura tristeza estampada no céu.
És apenas a nuvem docíssima, branca,
enredada uma noite entre ramos antigos.

Notturno

La collina e notturna, nel cielo chiara.
Vi sin qua dra il tuo capo, che muove appena
e accompagna quel cielo. Sei come una nube
intravista fra i rami. Ti ride negli occhi
la stranezza di un cielo che non e il tuo.>


La collina di terra e di foglie chiude
con la massa nera iI tuo vivo guardare,
la tua bocca ha la piega di un dolce incavo
tra le coste lontane. Sembri giocare
alia grande collina e aI chiarore deI eielo:
per piacermi ripeti lo sfondo antico
e lo rendi piú pura.


Ma vivi altrove.
Il tuo tenero sangue si e fatto altrove.
Le parole che dici non hanno riscontro
con la scabra tristezza di questo cielo.
Tu non sei che una nube dolcissima, bianca
impigliata una notte fra i rami antichi.


19 de outubro de 1940

[06/03/2009 00:00:00]