A doce vida de Misha
, Redação, 08/10/2008
Misha Borisovitch Vainberg é um judeu russo na faixa dos 30 anos. Filho do 1238º homem mais rico da Rússia, mora nos Estados Unidos, onde foi cursar Estudos Multiculturais. Lá, em seu luxuoso loft em Manhattan, próximo ao World Trade Center, vive uma existência supérflua, hedonista e deprimente entre banquetes – que o deixaram mais obeso do que sempre foi –, sedativos e mulheres de todos os tipos que topam exercer as mais variadas modalidades sexuais, incluindo a sua amada Rouenna, prostituta “étnica” que rebola sobre as banhas de Misha durante a transa enquanto ele profere canções de seu ritmo preferido, o rap. Absurdistão é o segundo romance do aclamado e premiado escritor Gary Shteyngart, considerado uma das revelações da literatura americana pela prestigiada revista Granta. Tendo se mudado aos sete anos de idade da Rússia, onde nasceu, para os Estados Unidos, o autor, no entanto, nunca perdeu os laços com o país natal, e usa a autoridade adquirida de conhecedor da cultura dos dois países – inimigos durante a Guerra Fria – para construir uma história que retrata com muito humor negro as mudanças geopolíticas, culturais e sociais no mundo contemporâneo e a hipocrisia de sempre de um ser chamado humano. A doce vida de Misha à sombra do World Trade Center muda quando o jovem volta ao país natal para visitar o pai. Ao tentar retornar para os Estados Unidos, descobre que não pode entrar, nem ele nem membro algum dos Vainberg, já que – revela-se logo depois, o patriarca da família, e futuro defunto, que morre pelas mãos de um concorrente no mundo da máfia russa, matou um cidadão americano. Apavorado com a possibilidade de nunca mais poder curtir as benesses proporcionadas por um país multicultural, “analisado” (ele também tem o seu psicoterapeuta de estimação) e, acima de tudo, democrático, Misha fará de tudo para conseguir um visto, incluindo um falso, de cidadão belga – integrante da chiquérrima União Européia. Para isto, deve fazer uma parada estratégica na república de Absurdsvanï. No pequeno país à beira do mar Cáspio, rico em petróleo, ele ficará mais tempo do que gostaria, e acabará se envolvendo em uma guerra civil e nos absurdos culturais e políticos da nação também conhecida como Absurdistão. Na capital do Absurdistão, onde passaria apenas alguns dias para pegar o seu passaporte falso e realizar seu sonho, este anti-herói acidental vê-se envolvido no conflito entre duas etnias – oriundas de uma antiga tradição cristã e cuja distinção entre elas não é muito clara. Obrigado a se refugiar em seu luxuoso hotel, esbarra com diversos tipos, do líder ditador popular ao líder ditador elitista, com mulheres que oferecem as próprias filhas para “serviços sexuais”, com magnatas ocidentais do petróleo, agentes americanos e israelenses. Ele negocia com os dois lados da guerra uma forma de salvar a própria pele, mas depois acaba tomando partido com o intuito de ajudar o “próximo”. Afinal, sua ocupação atual é a filantropia e Misha vê a possibilidade de realizar algo de útil neste país perdido no mapa. Mas ele descobre que sua fortuna o deixou ingênuo e preguiçoso, duas “qualidades” das quais seus “aliados” tiram proveito. Shteyngart reúne em seu segundo romance todos os estereótipos nesta típica repupliqueta ditatorial. E não poupa ninguém em seu humor politicamente incorreto: judeus, russos, americanos, alemães, muçulmanos. Todos os grupos deste tabuleiro de xadrez mundial estão na sua mira. O autor usa o deboche como forma de crítica a uma sociedade que se deseja verdadeiramente globalizada, multicultural e democrática, uma sociedade que tenta encontrar um novo caminho após anos de Guerra Fria e que entra em xeque sob os escombros do 11 de Setembro.
[08/10/2008 00:00:00]