
“A editora nasce com a prioridade de reforçar os temas e as discussões que nos interessam enquanto sociedade, assim como ampliar o nosso alcance. O Brasil tem um pouco a cultura de que o livro é um produto de luxo, para poucos, e a gente quer inverter isso. A gente quer criar livros com conteúdos extremamente importantes e que possam ser distribuídos em todo o país", afirma Daniel Souza, filho de Betinho e presidente do Conselho da Ação da Cidadania.
Criado com recursos próprios, o selo editorial pretende ser o ponto de partida para outros produtos culturais, adianta Daniel. E todo o lucro que vier da venda dos livros será revertido para a produção de novos títulos e outras iniciativas sociais da ONG. “A gente quer fazer com que o livro chegue a toda e qualquer pessoa interessada. E, para isso, a gente vai ter estratégias de distribuição e parcerias com empresas, instituições e governo", pontua ele. Daniel se emociona ao ver uma frase do pai, resgatada pelo editor Pascoal Soto, ainda ressoar alto:
“Um país não muda pela sua economia, pela sua política nem mesmo pela sua ciência. Um país muda pela cultura”. Pascoal conheceu Betinho em 1993, quando era funcionário da Editora Moderna e fazia obras de não-ficção para crianças e jovens. Durante um almoço, no ano seguinte, germinou a semente de uma coleção de livros infantojuvenis para tratar de temas relacionados à cidadania, com autores consagrados como Ana Maria Machado, Luis Fernando Verissimo (1936-2025), Lya Luft (1938-2021) e Eric Nepomuceno, outros.
Pascoal lembra que essa coleção foi muito bem sucedida e que, através dela, firmou-se uma parceria inédita entre a Moderna e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), fundado em 1981 por Betinho e intelectuais. Há cerca de dois anos, quando começou a desenhar a linha editorial do Selo Ação, pensou que bastaria manter no foco a história que ele viveu com Betinho nos anos 90. Em tempos de reviravoltas no julgamento da trama golpista de 2023, a importância de uma nova editora que mire na democracia se escreve com letras maiúsculas.

“Somos uma casa editorial que nasce com a finalidade de promover o debate das boas ideias e contribuir para a formulação de práticas e ações que aprimorem a nossa democracia. Os nossos livros serão dirigidos ao grande público — e nos sentiremos mais realizados quanto mais próximos estivermos das populações menos privilegiadas da nossa sociedade. Celebraremos as mais vivas memórias de resistência e luta pela democracia e, em contrapartida, seremos implacáveis em denunciar as violações aos nossos direitos constitucionais”, sinaliza Pascoal Soto.
Os livros físicos chegam da gráfica por volta de 15 de outubro. Até lá, estarão em pré-venda através da Amazon. O selo estreia com três livros promissores: Machado, o filho do inverno, do escritor e pesquisador C.S. Soares, minuciosa biografia sobre a Machado, cuja negritude foi escondida do público por tanto tempo; Matou uma, matou todas, do premiado jornalista Klester Cavalcanti, que reúne histórias reais de vítimas de feminicídio; e O prato vazio, infantil de Adriana Falcão e Bruno de Almeida sobre desigualdade e fome.
“Eu já vinha acompanhando as andanças do Claudio, que há muitos anos empreendia um robusto trabalho de pesquisa sobre vida e obra de Machado de Assis. Quando conversamos, o projeto estava bem definido e parte do livro escrito. A ideia de ter uma grande biografia, em dois volumes, de Machado, destacando a sua negritude, encaixava-se perfeitamente no Selo Ação", pontua Pascoal.
O livro de Klester Cavalcanti sobre casos verídicos de feminicídio no país também aderiu bem à linha editorial do Selo Ação. Pascoal já havia editado uma de suas histórias reais quando atuava na Editora Planeta. E o infantil foi feito sob encomenda do editor para a estreia do selo da renomada ONG. Para ele, esses três livros iniciais indicam o caminho que a pequena editora pretende trilhar, entre títulos de ficção, não-ficção, infantis e juvenis.
“E relançaremos as obras dos ‘três irmãos de sangue’: Betinho, Henfil e Chico Mario. Faremos aos poucos, e com muito cuidado. A ideia é que essas novas edições sejam apresentadas por novas e potentes vozes do cenário cultural brasileiro. São obras de enorme valor histórico e que permanecem muito atuais. Esses livros voltarão às livrarias remoçados", garante Pascoal Soto, sob o olhar atento de Daniel de Souza. “O Selo Ação é um alinhamento de muitos sonhos e destaca a importância da cultura como instrumento de transformação, como ensinou Betinho”, diz, e sorri com bondade, Daniel Souza.