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Best-seller é cultura
PublishNews, Cindy Leopoldo, 13/07/2018
Cindy Leopoldo: as listas dos mais vendidos 'contém dados atualizadíssimos sobre o que é a literatura brasileira e até mesmo o que é ser brasileiro hoje'

Nada mais saudável para o mercado editorial brasileiro, mercado inflacionado por "gênios", que um Paulo Coelho assumidamente comercial, pop. Foi depois do Plano Cruzado que se descobriu, no Brasil, uma massa potencial de leitores de mais vendidos órfãos de autores pátrios. Um novo filão empurrava para o barranco o dito "Brasil, país de analfabetos".

Coelho ocupou esse espaço meio sem querer, sem querer querendo, querendo muito vender e trabalhando para isso: palestras, entrevistas, contratos que estipulam quantias para o marketing, viagens e a paciência de autografar milhares de exemplares em feiras de livros, pelos sete rincões. O público o ama, os críticos o desprezam(...)

Marcelo Rubens Paiva na Folha de S.Paulo de 25/07/1998.

Lembro de que já tive preconceito contra best-sellers. Como lembro também do pânico que senti durante minha primeira batida de emendas quando descobri que o que eu escrevesse na prova seria realmente publicado em incríveis três mil cópias; uma tiragem insanamente alta para alguém que sequer estava acostumada à palavra “tiragem”. São lembranças embaçadas, parecem de outra encarnação, mas eu tenho quase certeza de que são desta.

Até o fim da faculdade, eu nunca tinha pensado em trabalhar em editoras. Na verdade, eu nem imaginava qual era o trabalho do editor porque eu achava que o autor fazia tudo sozinho. Afinal, só “deuses” poderiam mexer em um texto de, por exemplo, Guimarães Rosa, Almeida Garrett, Flaubert, Clarice Lispector, Borges, Lobo Antunes, Juan Rulfo... Teria que ser alguém com pós-pós-doutorado em pós-pós-literatura, sei lá. Eu ainda não tinha notado, mas, quando alguém falava em “livros”, o que me vinha à mente eram livros de cânones da literatura. Para mim, naquela época uma jovem de uns 20 anos que se deixava seduzir pelo orgulhoso elitismo acadêmico de muitos professores da universidade, a lista de livros mais vendidos era um lugar cultural e artisticamente árido. Estou falando da época em que Paulo Coelho estava bombando e sendo, em igual medida, desprezado pelos críticos. Eu ouvia falar de Brida ou Diário de um mago nas conversas com amigos, mas nunca trabalhamos esses livros em sala de aula. Isso não era compreendido como literatura, era produto. E era uma baixaria alguém misturar as duas coisas.

Foi trabalhando em editoras, tempos depois, que vivi meu primeiro momento “poxa, seria tão bom se esse livro fosse lido por todo mundo!”. Do momento em que eu desejei estar envolvida com livros que estivessem na lista de mais vendidos até o momento em que eu passei a entendê-la como um objeto de estudo, passaram-se anos. No meio disso, eu continuei desprezando a relevância dela ao usá-la meramente como um termômetro de sucesso comercial. Não era raro eu ouvir e falar coisas como “Viu a editora X? Tá com três livros na lista!”, muito mais preocupada com a disputa com a concorrência do que com qualquer interesse cultural.

Hoje, acho que desconsiderar uma análise das informações codificadas contidas nessas listas, tanto por parte da academia como por parte do mercado, é um grande desperdício. Porque se, por um lado, ela contém dados atualizadíssimos sobre o que é a literatura brasileira e até mesmo o que é ser brasileiro hoje, por outro ela também expõe dados relevantes para tomada de decisões estratégicas que não estão em nenhum livro.

Nas últimas listas gerais semanais publicadas no PublishNews, por exemplo, das 20 posições, 13 eram ocupadas por autores nacionais e 10 por autoajuda / negócios. Um cenário completamente diferente do que tínhamos de 2010 até mais ou menos 2014, que, de acordo com as listas de mais vendidos anuais do PN, foi quando as coisas começaram a mudar e os livros de ficção e estrangeiros sumiram um pouco das listas. No ano da Copa do Mundo no Brasil, mas também da Lava Jato, Edir Macedo vendeu 870 mil cópias, A culpa é das estrelas vendeu 647 mil, mas em terceiro já surgia uma Ansiedade (Augusto Cury), com 362 mil cópias vendidas. Em 2015, vieram os livros de colorir para desestressar pelo menos 1,2 milhão de pessoas que já estavam em profunda mudança e, em 2016, a lista era outra: 12 livros nacionais e apenas cinco de ficção adulta. Foi o ano com a maior presença de youtubers, mas lá estava também Lava Jato, de Vladimir Netto. Os números de venda também sofreram uma alteração brutal: em 2017, o mais vendido, Batalha espiritual, vendeu apenas 138 mil exemplares; em 2011, Ágape tinha vendido 518 mil exemplares. E, por falar no livro mais vendido do ano, posto que sempre foi dominado por livros religiosos ou por ficção estrangeira, até o momento, 2018 tem em autoajuda A sutil arte de ligar o foda-se dando o tom do ano. Piada pronta.

Caso eu não soubesse, apenas vendo a listagem de livros eu diria que o Brasil está numa crise existencial. Precisando de estímulo para encontrar seu propósito. Confiando que ao criar novos hábitos, seja por meio de batalhas espirituais ou a busca de suas origens na história do Homo sapiens, possa voltar a acreditar que pode ser foda e então ter poder para partir para ação. Finalmente, parar de vez de ligar o foda-se para o futuro e “propor um novo caminho rumo a uma vida melhor, mais coerente com a realidade e consciente dos nossos limites”. Mas essa é a minha leitura cafona, coloque a sua nos comentários. Ou não coloque. Isso aqui ainda é uma democracia.

Cindy Leopoldo é graduada em Letras pela UFRJ e pós-graduada em Gerenciamento de Projetos pela UFF. Em 2015, cursou o Yale Publishing Course e, em 2020, iniciou a especialização em Negócios Digitais, da Unicamp. Trabalha em editoras há uns 15 anos. Na Intrínseca, onde trabalhou por 7 anos, foi criadora e gerente do departamento de edições digitais e editora de livros nacionais. Atualmente, é editora de livros digitais da Globo Livros.

Escreve quinzenalmente, só que não, para o PublishNews. Sua coluna trata de mercado editorial, livros e leituras.

Acesse aqui o LinkedIn da Cindy.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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