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Por que e-book vende menos que livro impresso?
PublishNews, Cindy Leopoldo, 26/11/2015
Em sua coluna, Cindy Leopoldo busca respostas para essa questão que perturba muita gente que trabalha com livros digitais não só no Brasil, mas no mundo inteiro

Eu fiz a pergunta que dá título a esse texto em um bar, num sábado à noite, para amigos que trabalham com livros digitais daqui do Rio de Janeiro e recebi, poucos dias depois, uma resposta pública (que pode ser lida aqui). De primeira, achei assustador ver que o que você faz em um sábado à noite pode estar, na semana seguinte, em um site que trata de assuntos relacionados à indústria em que você trabalha, mas depois achei divertido e agora quero estender a discussão.

A resposta que recebi da Mariana Calil, a única da mesa que não trabalha direta e exclusivamente com livro digital, fala sobre a leitura de e-books no Brasil (como ela diz no texto, realmente havia uma banda tocando no tal bar e a gente às vezes não conseguia se comunicar muito bem), mas a pergunta era mais abrangente. De toda forma, achei a resposta pertinente, só ficou faltando o restante do mundo nela, afinal e-books parecem vender menos que impressos em todos os lugares.

Acho isso muito curioso porque a impressão que eu tenho é que, por exemplo, a música e o filme digital se impuseram como realidade antes que as pessoas desejassem ou soubessem usar mp3, mp4 ou qualquer coisa do tipo. Não parecia haver uma escolha, essa era a nova forma de ouvir músicas e ver filmes e só restava aceitar. Mas não era apenas aceitação, era também muito legal ver as coisas mudando! Lembro de discussões sobre a qualidade do áudio, mas era algo que incomodava quase exclusivamente aos profissionais que trabalhavam com música; com e-books, entretanto, é o consumidor comum que, quando não curte, não só não aceita como faz questão de comunicar que prefere "livro de verdade". Acho que isso mostra que há algo incrivelmente passional na relação dos consumidores com a leitura e acho que isso deve ser mais aprofundado, porque nunca vi, por exemplo, distinção de "música de verdade" e “música digital” ou "filme de verdade" e “filme digital”. Brincando de Murakami, acho que a gente tem que tentar mais arduamente entender "do que estão falando quando falam de livro de verdade". Ainda mais em um país que, teoricamente, não lê, o que sugere que, ainda que seja para não ler, o povo prefere o impresso...

Sei que não vou chegar a uma conclusão sobre isso neste texto, mas posso enumerar possibilidades: a primeira é que talvez eu não tenha acompanhado tão de perto o que ocorreu nas indústrias da música e do filme quando estava iniciando a virada do analógico para o digital; outra possibilidade que vejo é que acrescentar um aparelho entre o leitor e a leitura (coisa que sempre existiu nas indústrias da música e do filme) faça as pessoas acharem que o livro digital cria problemas em vez de resolvê-los ou até mesmo que cria uma distância que os leitores supunham não existir ao segurar o papel; talvez o valor em dinheiro para acessar um livro digital seja muito mais alto do que o valor que as pessoas de fato dão a esse produto (afinal, é mais fácil saber os custos da produção de um filme ou de um show do que os de um livro, e isso pode fazer com que as pessoas imaginem que os preços dos produtos editoriais sejam totalmente arbitrários); talvez a pirataria desenfreada tenha feito os consumidores se acostumarem com as versões digitais das outras artes e seja apenas uma questão de tempo até as pessoas se sentirem à vontade também ao ler um livro por meio de um aparelho eletrônico (ainda que essas mesmas pessoas já leiam laudas e laudas no Whatsapp ou no Facebook diariamente); talvez, como entendi do texto da Mariana, pessoas precisem expor capas de livro em casa para aliviarem inseguranças intelectuais ou apenas por gostarem de ver e ter livros, e e-books estão mais relacionados a acesso do que a posse de um bem; ou talvez simplesmente haja algo que cause dependência nesse bando de substâncias químicas que produzem o tal “cheiro de livro”...

Para finalizar essa enxurrada de possibilidades, a que mais mexeu comigo foi apresentada por Craig Mod no curso de Yale voltado para o mercado editorial deste ano (e com certeza não fui a única que sentiu isso, porque saiu até mesmo uma matéria sobre a questão no The Bookseller). Logo na primeira palestra ele disse algo como "voltei a comprar impressos porque demos mais de sete anos à Amazon e o livro no Kindle continua feio" (perdão, eu esqueci as palavras exatas, mas a ideia era essa). Isso me deixou surpresa por duas coisas: (1) e-books e Amazon parecem sinônimos e (2) percebi que, inconscientemente, parece que eu acreditava que havia um acordo tácito mundial para relevar as limitações do ePub. As duas coisas me incomodaram bastante, mas, em relação à primeira, talvez haja motivo para os americanos pensarem assim. Porém, a segunda doeu. Sei que ele nem estava falando do trabalho das editoras e, sim, dos aplicativos e dos e-readers, mas infelizmente ele tem razão, e cabe a nós, quem produz e lê e-books, exigir mais qualidade da produção, da distribuição, da comercialização, da visualização.

Desde a primeira vez que ouvi falar sobre e-books, fiquei encantada. Não deixar a bolsa pesada, poder fazer busca no texto, não ocupar espaço em casa, começar a ler imediatamente após a compra online e, no geral, ser mais barato me fizeram pensar “era isso que eu queria!”, e confesso que acreditei que todos sentiriam o mesmo. Mas, não: pelas reportagens que leio, os e-books não representam nem 5% do total de vendas das editoras brasileiras e nos EUA o crescimento que antes era a passos largos parece ter desacelerado bruscamente. De acordo com outra palestra do curso, não deveríamos entender que a venda de e-books parou de crescer por lá, mas que está crescendo em segmentos específicos porque os leitores já têm um discernimento maior do que preferem ler em cada mídia. Aqui pode ser que esteja acontecendo o mesmo e que essa pequena porcentagem de interessados não deva ser encarada como rejeição, mas como uma espécie de amor condicional. Ainda assim, acho que essa reação tão passional merece atenção, e acredito que é preciso avaliar com carinho todos esses "talvez" que eu enumerei e outros que outras pessoas enumerarem para falarmos a mesma língua do leitor e oferecer algo que não apenas 5% ou mesmo 30% das pessoas achem interessante, mas que todo mundo ache legal e queira ter até mesmo (e por que não?) o mesmo livro em e-book e impresso.

Cindy Leopoldo é graduada em Letras pela UFRJ e pós-graduada em Gerenciamento de Projetos pela UFF. Em 2015, cursou o Yale Publishing Course e, em 2020, iniciou a especialização em Negócios Digitais, da Unicamp. Trabalha em editoras há uns 15 anos. Na Intrínseca, onde trabalhou por 7 anos, foi criadora e gerente do departamento de edições digitais e editora de livros nacionais. Atualmente, é editora de livros digitais da Globo Livros.

Escreve quinzenalmente, só que não, para o PublishNews. Sua coluna trata de mercado editorial, livros e leituras.

Acesse aqui o LinkedIn da Cindy.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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