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Desmaterializando o livro sem perder o negócio das ideias
PublishNews, 14/03/2013
De um cérebro a outro

Publicar é transmitir ideias de um cérebro para outro. Seja por meio de um grito, pinturas nas cavernas, poemas cantados, vitrais em catedrais… A publicação parece ter alcançado seu ápice evolutivo no livro. O que pode haver de mais eficiente e objetivo que transferir ideias de um autor para um leitor por meio de uma língua padronizada, por um alfabeto comum, por um idioma estabelecido, tendo o papel ou a tela do e-reader por suporte? O livro é o meio definitivo para transmissão de ideias. Porém, a rigor, um livro não é a ideia, é uma analogia. O alfabeto, linguagem, formato são códigos que emulam e representam as ideias. A transmissão direta de uma ideia, sem analogias e códigos, é apenas um limite teórico que apenas escritores de fantasia gostam de atravessar.

Ou não.

Em fevereiro, dois ratos de laboratório transmitiram ideias entre si. Um estava nos Estados Unidos, outro no Brasil. Nessa “publicação” mútua, não se usou código algum, nenhuma linguagem, sonora ou visual, nenhum condicionamento ou aprendizado. A ideia passou do córtex cerebral de um roedor a outro, pela internet.

Seria divertido, mas dramaticamente precoce, inferir que o experimento dos ratos, conduzida por Miguel Nicolelis, vai, em algum ponto longínquo do futuro, deixar os livros para trás como meio definitivo de transmissão de ideias. "No futuro, as pessoas vão experimentar sensações para as quais não nasceram equipadas para perceber", disse o cientista. “Ou entender”, pode-se emendar.

Um escritor inventivo como Braulio Tavares até já concebeu um sistema-publicador na forma de uma nuvem ou enxame de memes, pela qual o “leitor” passa a cabeça, e as gotículas chocam-se com o tecido cerebral, impregnando a mente de ideais que formatarão as sinapses para conduzir uma história. Mas essa é apenas uma bela metáfora para o que acontece quando lemos um (bom) livro.

Nos livros/filmes de ficção, mesmo quando os personagens do futuro dispõem de carros voadores e videofones de pulso, ainda é nos livros (geralmente microchips de bibliotecas) que descobrem as reviravoltas da trama. Ou mesmo as encontram nos centenários livros papel, como em Fahrenheit 451. A ideia de que o suporte é a informação (que o meio é a mensagem etc.) está entranhada até nas imaginações mais estratosféricas.

“Estamos inclinados a achar que o futuro humano dos modos de transmissão do saber depende não tanto da mera natureza técnica dos dispositivos (bits ou papel), e sim da conquista de uma forma suscetível de nos oferecer abrigo contra os perigos da morte do sentido”, disse Muniz Sodré. Este temor da “morte do sentido” cresce na observação de que os e-books e a digitalização do conhecimento — transformando páginas estanques em arranjos precário e fugidios de elétrons — leva à imaterialidade, ao que não se pode tocar ou conter ou controlar à entropia. “Livro é o que reside entre duas capas”, simplificou Michel Melot, mas, a rigor, um livro eletrônico não tem capas que o limitem, é infindável. A “intangibilização da riqueza” (Ricardo Guimarães) é em última instância o fim do custo — e do valor. O que nos leva — visto que esta é uma coluna sobre o mercado editorial — a perguntar qual será enfim o negócio do livro eletrônico?

A tendência de tratar livros eletrônicos enfatizando o livro e não o eletrônico tem levado a alguns disparates, como imensas bibliotecas erigidas para guardar edições digitais (que não precisam de espaço) onde os e-books só podem ser emprestados se ninguém os estiver lendo (como se dependessem de um suporte intransitivo). Mais recentemente, a Apple e a Amazon demonstraram intenção de comercializar e-books “usados”. Esse sebo digital (re)venderia produtos que são tão novos quanto o livro originalmente vendido. Se não existe e-books com marcas de uso — rabiscados, rasgados, amarelados, descolando — então qual seria a diferença entre comercializar tanto o e-book “zero quilômetro” quando um “de segunda mão”? Para o leitor, tirando o preço, nenhuma. Para a editora e o autor, muita. Livros usados não recolhem direitos autorais, e tampouco podem render às editoras os privilégios do copyright. Por sinal, o que é o direito de fazer cópias (exemplares) quando e-books são infinitamente replicáveis, sem custos, sem tiragens?

O dia há de chegar em que enfim nos desapegaremos. Aceitaremos que e-books são livros, mas não são propriedades. Da mesma forma que nunca os colocaremos em nossas estantes, tampouco reteremos deles mais do que as ideias que eles implantaram em nossa mente. Os negócios do livro digital de futuro — os que sobreviverão ao futuro — serão os que abraçam a transitoriedade do texto “vendido”. Os que entenderão a leitura como um direito, e não uma propriedade. Um serviço, e não um produto. Podem ser administradoras de bibliotecas pessoais (que ofereçam o serviço de manter e dar acesso a livros comprados em lojas diversas); canais que selecionam e sugerem títulos ao gosto do freguês, ou mesmo empreendimentos que tornem a experiência de leitura única para cada cliente, identificando e expandindo os elementos da história que mais lhe agradem. Isso não está distante: a Netflix, sistema de televisão onde o espectador monta a programação, acabou de produzir uma série, House of Cards, em que roteiro, diretor e ator foram decididos estatisticamente — baseando-se nas escolhas mais frequentes dos assinantes. O sucesso da série deveu-se menos a uma equipe criativa e inovadora que à massa de dados do Big Data. Essa maçaroca de dados digeridos, junto com a legião do crowdsource está cada vez mais substituindo o tradicional e lendário “faro” do editor.

Pode ser que os algoritmos venham um dia a substituir o editor, ou pode ser que antes disso já tenham aperfeiçoado a forma de transmitir uma ideia de um cérebro a outro. Até esse dia, o negócio do livro será do editor que se reinventar.

Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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