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Os pestinhas Juca e Chico e 150 anos de pequenas estripulias
PublishNews, 19/10/2012
Juca e Chico: 150 anos de pequenas estripulias

Duas edições recém-lançadas presenteiam o leitor brasileiro com o (mesmo) livro de estripulias de Juca e Chico, do escritor e desenhista alemão Wilhelm Busch (1832-1908): As Travessuras de Juca e Chico, da Iluminuras, e Juca e Chico. História de dois meninos em sete travessuras, da Pulo do Gato.

Publicados originalmente em alemão em 1865 como Max e Moritz, nome original dos pestinhas, o livro com as sete histórias atravessou 150 anos e chega aos dias de hoje com a mesma capacidade de encantar e divertir adultos e crianças. São aventuras com humor escrachado, sarcástico e muitas vezes maldoso – no sentido, claro, das pequenas maldades imaginadas e cometidas na infância, aquelas sem as quais dificilmente nos tornamos adultos e cidadãos tolerantes.

São travessuras nas quais o prazer de narrar, ouvir e olhar os desenhos não é superado por uma moral edificante e onipresente sobre o bom comportamento dos pequenos ou a defesa (opressiva) da harmonia familiar e social (mesmo que estejam presentes ao final do livro – será que o absurdo castigo infligido à dupla soava pior para as crianças em épocas passadas?).

As histórias de Wilhelm Busch, neste e em outros livros, têm ritmo e texto ágil, e caminham logo para um desfecho cômico ou inusitado no qual não raro leva a melhor quem menos se espera. O desenho tem um traço com muito movimento, os personagens rapidamente se embolando, rolando nas poses mais engraçadas e em situações corporais que só as crianças são capazes em suas pequenas disputas e imaginações.

As duas novas edições fizeram opções diferentes. Enquanto a Iluminuras retraduziu (Claudia Cavalcanti) o texto a partir do alemão e preservou os desenhos originais (que eram p&b e depois foram coloridos), a edição da Pulo de Gato (com prefácio de Rodrigo Lacerda) manteve a tradução da primeira edição brasileira, da década de 1910, do poeta Olavo Bilac e fez uma “releitura” dos desenhos (Casa Rex), aproximando-os da linguagem dos quadrinhos.

Sendo um clássico, prefiro a opção da Iluminuras de ser fiel ao desenho original de Busch, não por apego a algum tradicionalismo, mas por interesse em ler e ver os dois pestinhas em seu desenho (mesmo que agora colorido) e diagramação próxima ao original, conforme genialmente feitos pelo autor há 150 anos.

Na linha de lançar clássicos infanto-juvenis, a Iluminuras – na série Livros da Ilha – já havia publicado João Felpudo ou histórias divertidas com desenhos cômicos, de Heinrich Hoffmann (também traduzido por Claudia Cavalcanti). Um dos episódios mais interessantes em João Felpudo é a que mostra dois garotos sendo engenhosamente castigados por terem sido racistas contra um personagem negro. Isso foi publicado em 1844 – registro importante para quem acha inadmissível sequer discutir a ocorrência de racismo em livros nos anos 1930 ou 1940, como se na época ser racista no Brasil fosse parte da cultura “aceitável”.

Quanto à tradução de Juca e Chico, é curioso comparar as duas novas edições brasileiras (a tradução de Olavo Bilac e da de Claudia Cavalcanti) e o esforço de encontrar as soluções, verdadeiras cambalhotas da rima. Como o texto é em forma de rimas e elas devem imprimir ritmo e graça, obviamente o texto em português sai completamente diferente, preservando o enredo e o espírito original. Leitores do alemão certamente vão se divertir comparando as traduções e o esforço de encontrar as rimas que deem conta das engraçadas aventuras dos pestinhas.

Foi de Olavo Bilac (1865-1918) a primeira tradução do livro em 1915 e a opção, inclusive, pelos nomes Juca e Chico (Juca e Chico. História de Dois Meninos em Sete Travessuras), na primeira edição pela Melhoramentos. Não deixa de ser intrigante que o poeta se encantasse tanto pelas estripulias nada parnasianas ou cívicas de Juca e Chico, embora dê para imaginar o gosto de encontrar a rima... E a tradução de Bilac tem um ritmo e uma qualidade literária que chegam aos dias de hoje em plena forma.

Bilac, como outros escritores do início do século 20, se preocupavam com o que liam as crianças. Em Um Brasil para Crianças. Para conhecer a literatura infantil brasileira: história, autores e textos (Global, 1986, 4ª Ed.), Marisa Lajolo e Regina Zilberman contam que Bilac escrevia para os pequenos e compôs, entre outros, Poemas infantis (1904), Contos pátrios, com Coelho Neto (1904), Teatro infantil, com Coelho Neto (1905) e Através do Brasil, com Manuel Bonfim (1910).

Quem traduziria depois uma série de sete livros – cada um com várias histórias de diversos personagens – de Wilhelm Busch foi o poeta Guilherme de Almeida (1890-1969), junto com M. T. Cunha, em edições que saíram nos anos 1940 pela editora Melhoramentos e foram reeditadas pela mesma editora (e a Itatiaia) nos anos 1970. Guilherme de Almeida também traduziu João Felpudo, lançado em 1942 pela Melhoramentos, e outros livros, entre eles Pinocchio. Algumas destas edições se encontram hoje no mercado, editados pela Villa Rica e Itatiaia (reimprimindo as da Melhoramentos).

Por uma ironia do destino, estava eu lendo o Juca e Chico num banco de praça quando um passarinho mirou bem na minha camisa (ainda bem que não foi no livro). Naquele momento, podia apostar: foi obra daqueles dois pestinhas...

Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.

Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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