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O algoritmo e o tempo generoso de passear nas livrarias
PublishNews, 29/07/2011
O algoritmo e o tempo de passear nas livrarias

Há tempo de comprar e há tempo de olhar, escreveu o crítico literário Alfredo Bosi, em seu belo texto de memória sobre as livrarias (e bibliotecas) que frequentava em São Paulo a partir dos anos 1950, quando a descoberta de livros e autores, a atmosfera intelectual e a conversa com livreiros e outros jovens constituíram encontros decisivos em seus anos de formação.

Para Bosi, “quem diz livraria diz refúgio. Concedo que é mais prático para o consumidor apressado poder entrar em uma megastore e lá encontrar um pouco de tudo, principalmente quando o atendente localiza em menos de um minuto o lugar e o preço do livro procurado. Mas há tempo de comprar e tempo de olhar. E, melhor ainda, tempo de tirar da estante o livro desejado e sentar-se junto a uma mesinha à parte, e ler e ler, sem pressa, ‘longe do estéril turbilhão da rua’. Esse é o tem sem tempo, o mais precioso dos bens, que pedimos aos prezados livreiros que nos ofertem generosamente, gratuitamente.”

O texto foi publicado da revista “Livro”, recém-lançada pelo Núcleo de Estudos do Livro e da Edição, que pretende ser um fórum aberto à reflexão, ao debate e à difusão de pesquisas que têm na palavra impressa seu objeto principal. A revista é um presente aos que gostam de tudo o que se refere à cultura impressa e ao universo dos livros, a começar pelo belíssimo projeto gráfico assinado pelo designer de livros Ricardo Assis.

Quem gosta de frequentar livrarias em uma cidade como São Paulo provavelmente combina a incursão às livrarias remanescentes com certa nostalgia das livrarias que vêm fechando sucessivamente. Os que têm menos de meio século de idade certamente possuem memórias precoces de livrarias e livreiros. Eu me lembro, por exemplo, da pequena Outras Palavras (ou será Certas Palavras?), vizinha à Praça Benedito Calixto, que fechou nos anos 1990 e cujos simpáticos livreiros eram excelentes conhecedores de literatura e particularmente de poesia. Mais atrás, lembro da Livraria Weltman, no Bom Retiro, da Mestre Jou, na Rua Augusta, da Parthenon (que certa vez fez um concurso aberto aos clientes para mudar de nome), da Martins Fontes, ao lado do Sesc Consolação, e do seu livreiro Marciano (o mais completo e interessante que conheci, capaz de recomendar a melhor edição ou tradução de um livro, capaz de adivinhar o título procurado dando-lhe apenas uma vaga pista e ainda capaz de agenciar pequenas trocas entre clientes com semanas de distância).

Também recordo das filas de dobrar quarteirão para comprar livros escolares no início do ano na Livraria Turiassú, em Perdizes, uma excelente livraria de bairro. A Azteca, também em Perdizes, é das últimas livrarias desta geração, e já teve certamente alguns dos melhores livreiros, entre eles o Chico, mais eficiente e rápido que qualquer mecanismo digital de busca e informação.

Em seu texto, Alfredo Bosi lembra a importância das livrarias e dos livreiros, das indicações, das descobertas, da convivência e das trocas intelectuais que seus espaços propiciavam. A crítica principal de Bosi ainda se dirige às megastores, nas quais diminui a olhos vistos a variedade de editoras e autores, embora evidentemente as livrarias Cultura, Vila e Travessa sejam lojas inteiramente diferenciadas por manterem funcionários de primeira, uma boa variedade de títulos e, acima de tudo, uma atmosfera de quem gosta de livros.

São Paulo surpreende pelo baixo número de livrarias (comparemos com Montevidéu, para não dizer Buenos Aires?), mas alguma compensação temos tido também com as dezenas de pequenos sebos e livrarias de usados que têm pipocado por vários bairros da cidade (e pelo surpreendente site www.estantevirtual.com.br).

Mas será pura nostalgia evocar estes “tempos das livrarias”? Carlo Carrenho, com seu múltiplo conhecimento de editor de livros e deste PublishNews, frequentador de livrarias e leitor militante de livros digitais, escreve que “o livro não existe sem a descoberta e ninguém tem conseguido fazer isto melhor que as livrarias. Se a livraria acabar, o livro acaba junto, seja ele de papel, de pixels ou holográfico. O livro em qualquer formato depende da livraria”. O texto está em LivroLivre – O que pode o livro digital, da Imã, recém-lançado e que pode ser acessado aqui.

Em sua afirmação inusitada e provocativa, Carrenho acrescenta que a recomendação do livreiro, a descoberta na livraria e a interação tátil (pegar o livro, olhar, “sentir”, folhear, ler a quarta-capa) é ainda um método mais eficiente de escolher um livro para si mesmo ou de presente do que qualquer outro método proporcionado por algoritmos, seja de livrarias virtuais seja de redes de relacionamento ou mesmos das cada vez mais rarefeitas páginas sobre livros na imprensa. Uma livraria virtual é certamente mais eficiente para se encontrar um livro já conhecido ou muito próximo de ser conhecido, mas jamais para descobrir o que não conhecemos.

“A grande verdade é que com as livrarias virtuais e seus livros digitais ficou cada vez mais fácil encontrar o livro que queremos e cada vez mais difícil descobrir o livro que queremos, mas desconhecemos. E, no final, é uma questão de física: qualquer livraria possui uma área tridimensional maior que qualquer tela de computador”, escreve Carrenho. O artigo segue ainda com uma originalíssima análise do futuro potencial das livrarias e dos serviços que ela pode oferecer nesse novo mundo digital, já que “ninguém proporciona interação melhor do que as livrarias. Por isso, elas sempre farão parte do futuro”.

São palavras de alento e de esperança aos leitores que entendem que o livro impresso não é um fetiche nostálgico e que haverá em algum momento um ponto interessante de produtiva convivência que extraia dos meios tecnológicos o que eles podem proporcionar de mais interessante, incluindo a difusão, o acesso e a inclusão no mundo do conhecimento. E o virtual não pode perder de vista a relação com a realidade, na qual se processam efetivamente as relações entre as pessoas e entre nós e os livros, como ocorre nas bibliotecas e nas livrarias.

Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.

Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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