Pedro Herz: o menino que comprava livros
PublishNews, Paulo Werneck*, 21/03/2024
Num mercado que desde meados dos anos 1980 foi se deixando dominar pelo modelo da consignação, Pedro insistiu em sempre realizar compras para abastecer a sua livraria

Pedro se orgulhava de ter comprado cada exemplar que estava disponível em sua loja | © Divulgação / Livraria Cultura
Pedro se orgulhava de ter comprado cada exemplar que estava disponível em sua loja | © Divulgação / Livraria Cultura
Na trajetória e na personalidade singulares do livreiro Pedro Herz, morto no dia 19, há um aspecto digno de lembrança para quem se interessa pelo comércio de livros: Pedro foi não apenas um dos maiores vendedores de livros do país, mas também um dos maiores compradores.

Explico: num mercado que desde meados dos anos 1980 foi se deixando dominar pelo modelo da consignação — que tem seus detratores e defensores, mas hoje prevalece em praticamente todas as transações comerciais em livrarias físicas no Brasil —, Pedro insistiu em sempre realizar compras para abastecer a sua livraria. O primeiro pedido da Cultura, nos anos 1990 e 2000, era o termômetro de toda editora sobre o potencial sucesso dos lançamentos.

Pedro se orgulhava de ter comprado cada exemplar que estava disponível em sua loja. A compra firme obrigava a Cultura a se esforçar para vender cada exemplar pedido – numa época em que não havia sistemas automáticos que calculam reposição. Tudo era feito com base na aposta comercial que livreiro e editor faziam juntos, como se fossem sócios.

A certo momento Pedro deixou a gestão e a política de compra firme foi abandonada em favor da consignação. Não digo que seja essa a razão da crise que se iniciou – afinal ela tem vários outros fatores, que são conhecidos de todos e não cabe recapitular aqui. Mas ao abandonar sua política bem-sucedida a Cultura talvez tenha começado a corroer a relação de confiança com os editores, que ficaram entregues à incerteza do modelo da consignação, sobretudo quando mal administrada. A consignação de livros que jamais seriam acertados, embora tenham sido vendidos, está na origem da quebra da Cultura e de suas consequências terríveis para o mercado de livros.

A consignação tem defensores ardorosos, e um dos principais argumentos em seu favor é a possibilidade de oferecer mais títulos nas lojas. Pode ser. No entanto tem sido cada vez mais difícil encontrar livros de fundo de catálogo nas melhores livrarias, que parecem estar priorizando os lançamentos e muitas vezes evitam se comprometer com uma ampla oferta de títulos. O editor que investe na construção de catálogos de cauda longa fica sem alternativa.

A compra firme à moda de Pedro Herz talvez não seja uma panaceia, e talvez não seja praticável hoje como era na boa e velha Cultura dos anos 1990-2000. Mas poderia retornar atualizada e ajudar a renovar a confiança entre editores e livreiros, de modo que o risco esteja mais compartilhado entre os dois.

Seja como for, o modelo atual parece insustentável por várias razões, tanto para editores como para livreiros, ambos prestes a serem engolidos pelo Grande Elefante na Sala (que inclusive tem a compra firme como base de sua política comercial). É urgente que o mercado editorial se una para pleitear um Marco Regulatório do Livro, como há nos mercados do pão, do leite, da internet e da gasolina. Por que não do livro?

Pedro Herz, quem sabe, compraria essa ideia.


*Paulo Werneck é diretor presidente da Associação Quatro Cinco Um, organizaçãosem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil.

[21/03/2024 09:30:16]