Alfredo Weiszflog deixa Melhoramentos após 55 anos
PublishNews, Thales de Menezes, 02/05/2022
Um mestre no mercado editorial, ex-presidente da Câmara Brasileira do Livro e um dos responsáveis pela entrada do livro digital no país, aos 77 anos ele cede seu lugar no conselho da editora à filha, Paula Weiszflog

Divulgação - Melhoramentos
Divulgação - Melhoramentos

A jornada de Alfredo Weiszflog se confunde com a evolução do mercado editorial brasileiro. Em mais de 50 anos à frente da Companhia Melhoramentos, reuniu histórias de inovação e consolidação de ações na indústria e no comércio e relatos reais que até podem soar um tanto folclóricos, como o fato de, jovem, ir trabalhar no campo para aprender a plantar pinus que seriam utilizados na confecção de papel. Essa vida profissional plena de conquistas foi celebrada na última sexta-feira (29), quando um coquetel na sede da editora levou todos os nomes relevantes no mercado a prestigiar o anúncio de sua aposentadoria, aos 77 anos.

Apaixonado por livros, ele se dedicou com muita disposição a ocupar um lugar na empresa da família. Formou-se em jornalismo, então o curso superior que mais se aproximava do trabalho com editoração, mas começou sua carreira como jornalista na Folha de São Paulo. Seu ingresso na Melhoramentos foi em 1967, na equipe de propaganda. Passou por quase todos os departamentos da empresa até 1977, quando assumiu a editora. Desde 1984 passou a integrar o conselho da casa, lugar que passa a ser agora de sua filha, Paula Weiszflog.

Alfredo Weiszflog esteve envolvido no Instituto Pró-Livro, responsável pela Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, o mais completo estudo do comportamento leitor do brasileiro. Em 1985, assumiu a presidência da Câmara Brasileira do Livro (CBL). Também foi presidente do Grupo Interamericano de Editores (GIE), integrou o conselho da International Publishers Association (IPA) e dirigiu a Fundação Dorina Nowill para Cegos, na qual participou da introdução do livro digital no Brasil. Há 25 anos colabora com a Sociedade Bíblica do Brasil, na qual atualmente preside seu Conselho Fiscal.

O PublishNews conversou com Alfredo Weiszflog sobre a decisão por sua merecida aposentadoria. Além dessa conversa, é possível acessar no final deste texto mais duas ótimas reportagens sobre ele publicadas aqui. A relevância como editor tornou seu nome obrigatório no noticiário do mercado editorial. Em 2018, ele recebeu o Prêmio Especial Avena PublishNews de Contribuição ao Mercado Editorial, um reconhecimento à sua trajetória de muita dedicação, paixão e sucesso.

PublishNews: Em uma entrevista concedida ao PublishNews, o Sr. afirma ter se preparado muito para começar a carreira. Fala das faculdades de Jornalismo e Administração, e também do hábito de, ainda adolescente, passar as férias escolares trabalhando na Melhoramentos. O Sr. também se preparou bastante para o momento de parar?

Alfredo Weiszflog: Não me preparei tanto. De qualquer maneira, cada um tem que ter consciência, tem que virar a chave. Ninguém é permanente, ninguém é eterno. Além disso, numa empresa de capital predominantemente familiar, não é justo você ficar permanentemente num posto quando você já tem filhos com 45, 50 anos de idade. É dar a chance de eles assumirem e implantarem aquilo que é a convicção deles.

Acredita que conseguirá se afastar totalmente?

Espero conseguir um afastamento mental, de não pensar muito na empresa. Em todas as entidades pelas quais eu passei, elas não tinham o aspecto da não reeleição para a função, eu introduzi isso. Em todas em entrei nas funções, saí das funções e continuei participando ativamente do conselho e acho que consegui me dominar no sentido de respeitar e não interferir junto a quem estava dirigindo. Só o tempo dirá como será agora, mas eu sou relativamente disciplinado nesse ponto de vista.

A partir de agora o Sr. vai passar a ler os livros apenas por prazer, sem se preocupar com o potencial comercial de cada um?

Eu nunca parei de ler por prazer. O que eu gostaria efetivamente agora é ler mais e ouvir mais música, são coisas que me aprazem. Mas pretendo continuar atuando nas entidades nas quais eu participo. Continuar ativamente, na própria Câmara Brasileira do Livro. Ainda tenho contribuições para dar.

Nas últimas duas ou três décadas, quantas vezes o senhor ouviu alguém dizer que o livro impresso ia acabar?

Nada mais perigoso do que tentar terminar que uma coisa vai prevalecer sobre a outra e vice-versa. Eu acho que cada meio descobre o seu conteúdo e o seu público, são raros os casos em que um meio efetivamente desapareceu nesse processo de substituição. Houve o caso do CD, que apareceu em 1980, não faz tanto tempo assim. Diziam para mim que o CD acabar com a indústria de livro, porque, mesmo naquela época não sendo tão desenvolvido em sua tecnologia, argumentavam que em um CD cabiam duas enciclopédias. E hoje praticamente o CD desapareceu. As coisas vão se acomodando, cada um tem o seu espaço, e o mesmo vai acontecer com o papel. Eu não gosto de chamar livro de “livro de papel”. Livros são conteúdos levados a determinados suportes, nos quais se adequam mais a um ou aquele outro. E as pessoas também se adequam melhor a um ou outro suporte. Um livro infantil é bem melhor no papel do que num Kindle, você não consegue ler um livro infantil no Kindle, a não ser que seja especialmente desenvolvido para ele. Mas é quase sempre muito chato.

Alfredo na cerimônia do Prêmio PublishNews 2018
Alfredo na cerimônia do Prêmio PublishNews 2018
A concorrência com outros meios fez as editoras buscarem atrativos a mais para seus lançamentos? Hoje a gente vê muito mais caixinhas, edições vendidas com brinde e coisas assim.

Isso faz parte da questão da adequação. Quando você tem uma coisa te incomodando, você vai tratar de tirar esse incômodo. Eu me lembro de 1969, na primeira vez que fui para a Feira de Frankfurt. Quando eu vi o que eles faziam lá e aí olhei o estande brasileiro, com 90% dos títulos com capas tipográficas e as páginas ainda presas, você precisava de uma régua para abrir cada uma, eu literalmente sentei na calçada e chorei. Agora você pega o livro hoje e é outra coisa. Nosso livro impresso não deve favor a ninguém no mundo. Graças a Deus houve uma evolução positiva nesse sentido.

Qual a importância das feiras no mercado?

É a mesma coisa do livro na rede e do livro na livraria. A tela é muito limitante, você tem que saber o que está procurando. Se você já souber o que procura, na tela é fácil, muito rápido. Mas você não sabendo terá dificuldade para encontrar o que tem de novidade. A feira é a mesma coisa do que você entrar numa livraria. Num passar de olhos você vê o que está acontecendo. Você depois vai se fixar em algo. Você vai da floresta à árvore, pegando aqui e pegando ali, e depois você nem percebe mas sai de lá com um punhado de livros. Frankfurt é essencialmente uma feira de venda de direitos, é a oportunidade de ver o que os outros estão oferecendo. Quantos títulos não foram comprados com as pessoas simplesmente passeando pelos espaços da feira de Frankfurt, sem ter nada em mente, sem procurar nada específico?

O sr. vai a Frankfurt este ano?

Sim, agora olhando as coisas que mais me interessam e revendo os amigos que eu fiz em tantos anos por lá.

Como o senhor vê a situação atual do mercado no Brasil? Há notícias apontando para lados opostos, não? Numa semana, a informação que a alta do papel poderá obrigar as editoras a reduzir tiragens. Na semana seguinte, o anúncio de uma nova grande livraria abrindo.

Graças a Deus o mercado tem gente que pensa para a frente, que não fica chorando o tempo todo. Tem duas coisas que o mercado editorial precisa pensar. Uma é reclamar menos, e a outra é depender menos do governo. Existem muitas coisas que, na medida em que a gente junta forças, consegue fazer. Mas isso infelizmente é um problema cultural. Muita gente acha que o governo está aí para resolver os nossos problemas. Na realidade, seja o governo A ou o governo B, eles estão resolvendo os problemas deles. Os problemas do mercado quem sabe somos nós.

Quais os autores que o Sr. publicou na Melhoramentos deixam lembranças mais fortes?

Sem dúvida nenhuma, o principal foi o Ziraldo. Depois dele, o que mais me orgulha é dar continuidade ao trabalho do José Mauro de Vasconcelos, o que a Melhoramentos faz até hoje. Há grandes nomes na literatura infantil, como Ana Maria Machado e Ruth Rocha. O problema hoje é que são poucos os autores que se mantém em uma ou duas editoras na carreira. Um autor ter um ou dois livros uma editora, depois mais dois em outra e então outros numa terceira, isso pode ser bom para arrecadação de direitos para o autor mas não é a melhor solução mercadológica para consolidação do nome desse autor.

O Sr. consegue resumir as principais características de seu trabalho na Melhoramentos?

Acho que, se chegamos aos 132 anos de empresa desde os fundadores, com o lugar que temos no mercado, fizemos coisas certas. A gente sempre prezou muito respeito com todos, no contato interno e no externo. É uma filosofia muito importante na empresa, tanto que se um colaborador entra na empresa com salto alto, acaba não ficando muito tempo. O respeito coletivo é mais importante e está acima do descarte de um ou outro funcionário ou colaborador.

Leia aqui entrevista com Alfredo Weiszflog em 2017, quando ele recebeu o Prêmio Especial Avena PublishNews de Contribuição ao Mercado Editorial.

Assista aqui à entrevista de Alfredo Weiszflog dada ao PublishNews em 2019, contando histórias de sua carreira.

[02/05/2022 11:00:00]