O jornalista, autor e tradutor Eric Nepomuceno foi o responsável pela tradução do livro póstumo de Gabriel García Márquez, Em agosto nos vemos (Record), lançado em março de 2024. Além de García Márquez, ele traduziu para o português obras de Julio Cortázar, Eduardo Galeano, Juan Carlos Onetti, entre outros.
O novo livro de Gabo teve seu lançamento cercado de discussões porque o autor afirmou publicamente que tinha desejo de destruir a obta e que a história "não funcionava" e estava cercada de erros.
Em agosto nos vemos conta a história de Ana Magdalena Bach que, todo ano, pega uma barca em direção a uma ilha caribenha para colocar flores no túmulo de sua mãe. As visitas de Ana ao túmulo da mãe começam a ter outros rumos quando ela aceita o convite de um desconhecido para ir ao bar. Ela então é confrontada com seus medos e desejos.
Eric Nepomuceno respondeu a três perguntas do PublishNews.
PublishNews – Como você vê essa situação ‘inusitada’ que envolve o livro? De que Gabo se pronunciou dizendo que não queria que a obra fosse publicada? Ao longo da sua leitura, você conseguiu observar as preocupações que ele tinha?
Eric Nepomuceno – O que percebi é que aquele rigor na revisão - se levava um ano para escrever, levava pelo menos dois para revisar... - não está presente. Há, por exemplo, repetições, alguns lugares comuns, mas nada, absolutamente nada, que comprometa a qualidade tanto do texto como da história. A delicadeza do olhar feminino e, ao mesmo tempo, os arroubos de franca sinceridade são notáveis. E a forma suave, delicada e contundente da narração... Enfim, é García Márquez em estado puro.
PN – E em meio a esse contexto, muito se falou também sobre como seria para os fãs de Gabo ter a oportunidade de reler o autor, agora nesse livro póstumo. Como foi o seu reencontro, pessoalmente, com a obra do autor? Foi uma experiência diferente das outras (tantas) traduções que você fez dos livros dele?
EN – Foi diferente num doloroso aspecto: não pude ligar para ele dizendo que tinha terminado a tradução. Nem começarmos a trocar comentários sobre o livro, a história, as personagens...
PN – Após terminar a leitura, você teve a sensação de estar "se despedindo da obra"? O que você sente que ‘Em agosto nos vemos’ tem de novo, e o que ele tem de ‘"familiar" do restante da obra de García Márquez?
EN – Ninguém se despede de uma obra tão valiosa, tão olimpicamente única. No máximo me despedi das novidades... Bem: de novo, além do ineditismo e da insólita - e justificadíssima - desobediência dos meninos, de desrespeitar o desejo do pai, tem um livro narrado debaixo do olhar e da voz feminina. Uma mulher conduzindo a história. É algo muito difícil, e que García Márquez faz com a maestria habitual e única, só dele. Então, aí está: de novo, uma mulher conduzindo a narração. E "familiar" seu vôo único...