- Mãe, como foi quando eu era pequeno, tão pequeno que nem falava ainda?
- O mundo parou.
- Todos queriam me ver?
- Muita gente, sem dúvida. Mas ninguém chegava perto.
- Vocês tinham medo que eu quebrasse por ser beeeeeem pequeno?
- Um pouco isso. E todo mundo usava máscara para se proteger.
- Do frio? Mas todo mundo é friorento como você?
- Mais ou menos. E seu pai e eu ficávamos todo o tempo com você. Não saíamos para nada.
- Eba! Era o dia inteiro brincando comigo?
- Também. Mas, meu filho, os detalhes me fogem. Às vezes parece um sonho longo, daqueles em que a gente desconfia que está sonhando e lá no sonho mesmo diz que é sonho, que vai passar quando acordar. Sabe?
- Como daquela vez que sonhei que tinha ido de pijama para a escola e acordei gritando?
- Parecido. Só que toda a vez que tentávamos acordar, percebíamos que não era sonho não. Deixe-me lembrar. Uh, lavávamos roupa, trocávamos fralda (muitas!), limpávamos a casa, depois limpávamos de novo porque afinal moramos em São Paulo e a sujeira nunca dorme. Aliás, por falar em dormir, de vez em quando dormíamos umas horas. Cozinhávamos, colocávamos você para dormir. E aí, tudo de novo e sempre.
- Vocês não trabalhavam?
- Sim, de casa, entre um aspirador de pó e uma troca de fralda. É, acho que não esqueci nada.
- Esqueceu sim: aposto que você e o papai maratonaram nas Olimpíadas. Viram aqueles esportes estranhos com regras esquisitas.
- Adoraria. Mas não teve Olimpíadas.
- Como assim? Nasci em ano de Olimpíadas.
- Eu não disse que o mundo parou?
- Nossa, sou mesmo importante!
Luciana Pinsky é editora da Contexto, escritora e jornalista. Publicou o romance Sujeito oculto e demais graças do amor (Record) e mantém seu blog de crônicas. Há dois anos publica uma coluna sobre livros infantis no site Boraí.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.