Marshall McLuhan profetizou que a internet, dando voz a todo mundo e gerando uma multiplicidade de perspectivas iria desmoralizar a “propaganda” (sentido inglês) política: com fácil acesso à comunicação (e à expressão), cairiam por terra as máscaras fascistas. Da utopia caímos na distopia. Hoje parece que a tal multiplicidade se reduziu a duas “fasces” — que ficam dando golpes de mentira uns nos outros. E como ficamos nós editores, que temos como material de trabalho as ideias e a informação?
Ao mesmo tempo, nunca a disseminação das ideias foi tão eficiente: um mero post tem o poder de inflamar milhões de debatedores. Se as ideias correm, já a informação empaca: mais importam as opiniões que os fatos; a força que a consistência. Diante da avalanche de “respostas” (e de sua “qualidade”), como ficam aqueles que trabalham com informação e a troca de ideias? Desistem? Proponho aqui o contrário: que aprendamos com a “burrice” e que se empreguemos melhor sua energia. Aprendamos com paradoxos.
Eis um exemplo: com o caso do Queermuseu incomodando milhões na rede, a arte voltou a ser transgressora — capacidade que vem perdendo desde os urinóis de Duchamp — e, portanto, relevante. Multidões que nunca foram a museus agora não só sabem de sua existência como discutem (pontificam e vociferam) sobre o que é arte. Cinismo à parte, quando se pensa no negócio dos editores (o da circulação de ideias), o que verificamos é um enorme aumento do público consumidor (potencial) e uma divulgação poderosa e (em mais de um sentido) gratuita. Antes de me maldizer, pense em quantas pessoas saberiam da tal exposição sem a “ajuda” dos Savonarolas da web?
Não estou dizendo que os autos-da-fé da internet sejam mera estratégia de marketing. Estou dizendo que precisamos entender os mecanismos que os tornam tão virais (ou viróticos) para — quem sabe — empregá-los para fins diametralmente opostos, os construtivos.
“Não existe má publicidade”, já dizia o dono do circo. Mesmo o que postamos voluntariamente para humilhar “o outro lado” quase sempre sai pela culatra, dando exposição ao que deveríamos esconder, relevância ao que deveria ser ignorado. Há quem desconfie que tudo é deliberado e que postar algo vexaminoso seja apenas uma calculada estratégia de marketing. Quem saberia, por exemplo, quem é o rapper B. o. B. se ele não defendesse que a Terra é plana? Do mesmo modo, quantas pessoas não ficaram sabendo de “certas figuras políticas” somente porque outras pessoas, com as “melhores intenções”, as denunciaram ou ridicularizaram… e assim trabalharam para sua divulgação? “Pior do que falarem mal de você é não falarem mal de você”… será mesmo? (Quem disse isso, aliás, acabou pelo pudico império britânico).
Escritores e músicos (estabelecidos e do establishment) organizaram um contra-ataque aos detratores on-line. Suas ideias são melhores (ou ao menos mais elegantes), mas eles já começam perdendo, na escolha das armas. Discursos e argumentos nada podem diante de memes toscos. Não adianta gostar da política como em mil novecentos e sessenta e seis se hoje dançamos nos fanatic fake news days.
A maioria dos editores está na mesma situação destes escritores e músicos: têm a informação, a reflexão e acesso aos meios de comunicação tradicionais. Porém não têm a força imediata, estabanada e irreprimível do novo meio, a rede. A relação dos editores com a internet começou com soberba desconfiança e descambou para o desespero subserviente, haja vista a lista de bestsellers coalhada de autores que já faziam enorme sucesso on-line, antes de escreverem uma linha.
Editores podem voltar a ser importantes e reassumir seu mais-que-nunca-nunca necessário papel curatorial (o de pinçar e aprimorar, na barafunda catártica da web, o que tiver potencial) quando conseguirmos compor o aparentemente inconciliável e soubermos publicar, com a virulência dos escândalos, o que tiver de fato informação e reflexão originais; quando superarmos fake news com new takes: novas formas de engajar e agarrar os leitores; quando dermos ao público, de forma fácil e inteligente, o que eles conseguem de forma fácil e burra na internet: uma voz e um canal.
E quem sabe então será cumprida a profecia de McLuhan:
O público, no sentido de um grande consenso de pontos de vista distintos e diferentes, acabou. Hoje o público (sucessor da “plateia de massa”) pode ser uma força criativa e participante. […] Uma nova forma de “política” está emergindo, uma forma que ainda não nos demos conta.
Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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