Argentina em compasso de espera
PublishNews, Leonardo Neto, 28/04/2016
Como o novo governo Macri pode afetar a indústria editorial e livreira na Argentina

A Argentina vive, nesse começo do governo Macri, em um compasso de espera e isso reflete no mercado editorial e livreiro do país. O clima na Feira do Livro de Buenos Aires, que começou na semana passada e segue até o dia 9 de maio, é de esperança e otimismo, mas ao mesmo tempo de preocupação e temor. Na abertura do evento, na quinta-feira passada, Martín Gremmelspacher, presidente da Fundación El Libro (FEL), que organiza a feira, declarou que as atuais medidas econômicas levadas adiante pela atual gestão “tem provocado uma baixa nas vendas, afetando, especialmente, as livrarias e as pequenas e médias editoras”.

Nos três primeiros meses do seu governo, Macri liberou o câmbio e as importações, ajustou as tarifas públicas, voltou a pagar títulos da dívida pública, terminando um período de moratória que durou 14 anos e voltou ao mercado de capitais.

Gremmelspacher disse ainda que a abertura da economia, já nesses primeiros meses, tem dado como um resultado um aumento de 40% dos livros importados e uma queda nas exportações na ordem de 10%. “Nós editores queremos exportar mais, mas para isso, precisamos que se implemente o Exporta Fácil, sistema simplificado de exportações que permitirá que levemos nossos livros ao mundo por um custo muito menor”, reivindicou em seu discurso de abertura.

Trini Vergara, fundadora da V&R e presidente da Câmara Argentina de Publicações (CAP) | © Divulgação
Trini Vergara, fundadora da V&R e presidente da Câmara Argentina de Publicações (CAP) | © Divulgação
Por outro lado, editores ouvidos pelo PublishNews, que esteve em Buenos Aires na semana passada, querem acreditar que as medidas de abertura econômica promovidas pelo governo Macri poderão beneficiar o mercado editorial ao médio prazo. É o caso de Trini Vergara, presidente da Câmara Argentina de Publicações (CAP) e fundadora da V&R. “Há uma enorme esperança de poder voltar a ter contato com o exterior. A liberação das importações melhora a bibliodiversidade. Os argentinos se viam impedidos de ler autores e livros que eram editados em outros países com essa medida. Isso representa um prejuízo direto à bibliodiverisdade”, observou a dirigente.

Durante o governo Kirchner, houve a obrigatoriedade de uma licença especial para importações, mediante um correspondente exportado. O que fazia os editores e livreiros do país levassem adiante uma prática no mínimo curiosa: alguns exportavam grãos, por exemplo, para poder importar livros, conforme o PublishNews apurou em 2014.

Ainda de acordo com Trini, essa nova realidade argentina pode beneficiar a indústria gráfica brasileira. “Com as medidas de abertura, podemos escolher onde imprimir”, comemora a editora. Trini contou ao PublishNews que a indústria gráfica argentina hoje tem cerca de 500 indústrias, mas apenas 30 delas fazem livros. “O lobby da indústria gráfica argentina tem dito que essa medida poderá empobrecer o setor no País, mas não é verdade”, declarou. Trini disse que o parque gráfico argentino não dá conta da demanda da indústria editorial e os custos são muito altos. “Nosso parque gráfico é capaz de fazer um livro comum. Se o livro demanda acabamento melhor, precisamos fazer fora”, disse. A V&R, editora fundada por Trini e que edita na Argentina os mega-sellers Jardim secreto e Floresta encantada, já tem impresso livros no Brasil, incluindo esses livros de colorir, que são impressos na mesma gráfica utilizada pela Sextante no Brasil.

>O pesadelo da inflação

“A Inflação é um pesadelo que esse governo promete domar e baixar a 15% ou algo assim”, observou Trini. Dados oficiais do ano passado dão conta que a inflação argentina alcançou 12%, mas, de acordo com o projeto InflacionVerdadera, encabeçado pelo Billion Prices Project, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), a inflação em 2015 bateu 28% (contra 34% no ano anterior). Essa desvalorização do Peso Argentino correu partes do crescimento da indústria argentina no ano passado. De acordo com dados da Promage, consultoria que monitora o mercado editorial argentino, entre 2014 e 2015, houve um crescimento real do faturamento na ordem de 4% no mercado privado (vendas em livrarias). Em 2014, esse mercado foi de 4,95 bilhões de pesos e, em 2015, saltou para 7 bilhões.

Fernando Zambra, diretor da Promage, consultoria que monitora o mercado editorial argentino | © Divulgação
Fernando Zambra, diretor da Promage, consultoria que monitora o mercado editorial argentino | © Divulgação

Em dólares, o mercado privado faturou US$ 773,5 milhões em 2015 contra US$ 611,1 milhões no ano anterior. O mercado total, incluindo aqui as compras governamentais (até o momento suspensas em 2016), alcançou US$ 906 milhões, versus US$ 709,8 milhões em 2014.

Fernando Zambra, diretor da Promage, disse ao PublishNews que 2016 será um ano mais difícil. “Os primeiros meses de 2016 foram muito duros. Analisando as vendas de 2016, vemos uma queda de 30% em volume (exemplares). O governo atual tem feito ajustes muito fortes nos gastos públicos e isso gerou uma grande incerteza nas famílias. As pessoas vivem uma incerteza, não sabem se vão ter dinheiro para saldar suas dívidas no próximo mês. Isso gerou uma queda no consumo muito forte”, disse.

Zambra, no entanto, vê com bons olhos as mudanças implementadas pela equipe econômica de Macri. “A esperança é que já para o segundo semestre aconteça uma queda muito forte da inflação e, para o fim do ano, aconteça uma injeção de investimentos em obras públicas e privadas”, disse otimista. “Há esperanças de que as medidas econômicas do atual governo aumentem a capacidade de investimentos no país e isso, obviamente, afetaria positivamente a indústria editorial”, concluiu Zambra.

Amazon

A Amazon continua fora do mercado argentino. Para Fernando Zambra, o país não é um mercado ideal para o modelo Amazon. “A Lei do Preço Fixo vigente no país limita a capacidade da Amazon de se diferenciar pelo preço, além disso, o país tem um péssimo serviço de distribuição e logística. Nada é impossível para a Amazon, mas, seguramente, teriam problemas por aqui”, disse. Apesar disso, Zambra prevê que, mantendo as mudanças econômicas propostas por Macri, nos próximos quatro anos, exista um cenário mais favorável para a gigante de Jeff Bezos aportar no nosso país vizinho. “É um momento de oportunidades para muitos: de estrangeiros olharem para a Argentina e de argentinos olharem para o mundo”, observou. Como diriam os argentinos, “a ver...”.

Oportunidades de crescimento

Zambra, no entanto, acredita que mesmo as possíveis melhorias na economia argentina não serão suficientes para fazer crescer de forma importante o mercado editorial. “A Argentina em crescimento não será suficiente para fazer o mercado crescer. Precisamos aumentar a base de leitores. Precisamos que os argentinos vejam o livro como uma opção de entretenimento. Atualmente, a Argentina tem 50 milhões de pessoas capacitadas para ler e produz o equivalente a um livro por habitante. Estamos muito longe de índices de outros países. Há uma oportunidade de crescimento, mas não há mágica. É preciso estimular a formação de leitores”, concluiu.

[28/04/2016 10:04:14]