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O contraponto ao manifesto
PublishNews, Henrique Farinha, 23/03/2016
Henrique Farinha defende que "a luta política não pode contaminar as pautas profissionais"

Quando o Carlo Carrenho e o Leonardo Neto me pediram para escrever um artigo, pois o PublishNews não poderia se caracterizar como partidário de uma ou outra tese, e que seria, portanto, o exercício do direito ao contraditório, vi que contraditório, na verdade, é discutir um tema como esse em um espaço notadamente profissional. Assim sendo, há um vício original, que é abordar política partidária onde ela deve ficar de fora.

Já que, todavia, isso ocorreu, cá estou eu a escrever sobre a disputa que se vê hoje no dia a dia. É natural que todos estejam envolvidos nas discussões acaloradas das mídias sociais e quase todos os meios. E, mais do que nunca, que assumam posições como cidadãos que são, a favor ou contra. É legítimo e democrático. Outra coisa é trazer o assunto para o âmbito profissional e, mais ainda, dar a entender que uma determinada tese representa a classe. O “Manifesto dos escritores e profissionais do livro pela democracia”, ao assumir um lado da disputa, está longe de falar por todos os escritores e profissionais do mercado editorial. Não falam por mim, bem como por muitos outros. As razões não são difíceis de entender.

É inadmissível a apropriação da palavra “democracia”, a exemplo do que fazem os governistas diariamente. Quem está do nosso lado é democrata, e quem não está é fascista e quer a volta do regime militar. Essa é a divisão que se quer instituir, totalmente desconectada da realidade. Embora haja gente bem-intencionada assinando o manifesto, há outros que não podem jamais ser classificados como democratas, pois estiveram ao lado de causas como a defesa de regimes autoritários, o fim do uso da guitarra elétrica na música brasileira ou a proibição de biografias não-autorizadas. É, no mínimo, incompatível com quem diz que a liberdade de expressão está em risco. Há filiados a partidos que têm como objetivo o rompimento institucional, a queda da “democracia burguesa” e a instituição de um regime socialista autoritário. Ou seja, há radicais que se alojam ao lado de pessoas com ideias muito diferentes. O mesmo acontece do outro lado. Oportunistas, como o indefectível Jair Bolsonaro, um ou outro pedindo a volta do regime militar. Uma ínfima minoria, que não afeta o grosso dos manifestantes pró-impeachment. Assim sendo, é preciso saber separar quem tem espírito democrático ou não. Ele não é propriedade de somente um dos lados, e ambos contam com quadros de ideias, digamos, questionáveis, para ficar por aqui.

Outro erro notável é assumir que há “ameaça às normas constitucionais”. O processo de impeachment é legalmente regulado, podendo ser instalado se houver atos caracterizados como passíveis de enquadramento em um dos oito crimes previstos (contra a existência da União; contra o livre exercício dos poderes constitucionais; contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; contra a segurança interna do país; contra a probidade na administração; contra a lei orçamentária; contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos; e, finalmente, contra o cumprimento das decisões judiciárias). Mesmo que o processo seja aberto pela Câmara, há um longo caminho até a sua aprovação ou não. Há um amplo debate político, como nunca se viu antes. Todos podem promovê-lo, sem limitações. Os militares estão na caserna e não há o menor sinal de que pretendam deixá-la. Há pouquíssimos confrontos. Nenhum partido defende o uso da força para a tomada do poder. Levantar tal hipótese lembra a sórdida campanha feita pelo PSDB contra Lula nas eleições de 2002, na qual se dizia que sua posse era uma temeridade e provocava medo. Muitos que condenaram o uso desse artifício na época fazem algo similar hoje. Extremamente contraditório, não?

Não entrarei na ridícula caracterização dos movimentos como de “coxinhas” ou “petralhas”, ou que são demonstrações de paixão ou ódio e outras bobagens intelectualmente rasteiras. Isso seria patético. Eu também não perturbarei ninguém com a questão da validade das provas, se há excessos ou não do Judiciário ou da Polícia Federal, qual será a via principal da batalha política e jurídica, se o melhor é manter o presidencialismo ou mudar para o parlamentarismo etc. Existem outros fóruns mais adequados para isso. Quis apenas escrever um texto curto, simples e despretensioso, pois não o fiz alegando subliminarmente ter procuração de quem quer que seja, e sim apenas para mostrar que há posicionamentos divergentes e é preciso respeitá-los. Converso civilizadamente com amigos petistas ou simpatizantes do governo diariamente em diferentes locais. Discordamos sempre respeitosamente. O Carlo Carrenho e o Leonardo Neto são testemunhas. Sugiro que façam o mesmo. Vale a pena.

Por fim, reitero que a luta política não pode contaminar as pautas profissionais, que devem ser o foco do PublishNews e das entidades do mercado editorial. Não há causa a defender, como havia na época do regime militar, e levantar tais lebres como se iguais fossem e a todos representassem é um seríssimo engano.

Henrique Farinha, economista pela FEA-USP, pós-graduado em administração e marketing pela FGV-SP e mestrado em marketing por concluir na PUC-SP, fez carreira no varejo e entrou no mercado editorial em 1996. Passou por grandes editoras como diretor editorial e diretor-geral. Atualmente, é presidente e publisher da Editora Évora, que publica os selos Évora e Generale. Em sua coluna, Farinha vai tratar de temas de gestão – e, de preferência, polêmicos - ligados ao mercado editorial. Finanças, marketing, aquisições, programas de governo, enfim, tudo aquilo que nos afeta e não há visão consensual, mas uma enorme vontade de analisar, opinar e abrir discussão.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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