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Do livro para a tela
PublishNews, 01/08/2012
O livro, a tela e a lei

Uma leitura mais atenta permite admitir que écran (tela, em francês), tem alguma ligação com screen (tela, em inglês), conforme apontam os dicionários etimológicos. De objeto de proteção contra o fogo, passando por suporte para pinturas, a local de projeção de imagens (tanto de cinema quanto de computadores e derivados), a tela e o livro, antes distantes, hoje se encontram. O notebook e ipad permitem que se leia o livro na .... tela, tendência crescente para a geração “touch screen”.

Por esse início, pode-se imaginar que o tema de hoje seja a adaptação das obras literárias para o meio audiovisual, ou, mais comumente, dos livros para filmes.

Se a lista dos sucessos da tela baseados em obras literárias internacionais é enorme (por exemplo, Moby Dick, Dr. Jivago e mais recentemente, Harry Potter e Senhor dos Anéis), no Brasil a tendência se repete (dentre outros, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dona Flor e seus Dois Maridos, O Coronel e o Lobisomem, Buffo & Spallanzani), embora em menor escala.

Em termos jurídicos, a consulta à lei de direito autoral brasileira (9610/98), mostra que essa hipótese é prevista no seu art. 81, que diz:

“Art. 81. A autorização do autor e do intérprete de obra literária, artística ou científica para produção audiovisual implica, salvo disposição em contrário, consentimento para sua utilização econômica.

§ 1º A exclusividade da autorização depende de cláusula expressa e cessa dez anos após a celebração do contrato.”

Então, para esse artigo, interessa saber que o autor de obra literária pode autorizar a sua adaptação e produção de obra audiovisual e, se ele nada determinar em contrário, bastando o seu silêncio, essa autorização significará que é permitida a utilização econômica do produto.

Além disso, a lei diz que só se não houver cláusula expressa, determinando que a autorização é exclusiva, o autor da obra literária poderá autorizar sua adaptação por outra pessoa, simultaneamente. E mesmo que exista cláusula de exclusividade, a lei também diz que sua validade está limitada a 10 anos. Significa que a autorização exclusiva para se filmar um determinado livro dura no máximo 10 anos.

Vê-se, então, qual foi a intenção do legislador: que a autorização para adaptação normalmente não seja exclusiva de alguém, para sempre, tanto que, se nada for escrito claramente no contrato, o autor da obra literária pode autorizar outra adaptação. E ainda, se for dada exclusividade, essa dura somente 10 anos, tempo razoável para a exploração da obra audiovisual, de modo que após esse período o autor de obra literária possa autorizar outra adaptação de seu livro.

Ponto polêmico na lei brasileira é o art. 16, que diz: “Art. 16. São co-autores da obra audiovisual o autor do assunto ou argumento literário, musical ou lítero-musical e o diretor.” Não se trata, aqui, de incluir como autor da obra audiovisual, como muitos pensam, o escritor cujo livro foi adaptado, já que ele nem é o diretor, nem o produtor da obra -estes sim seus verdadeiros titulares, pois estão vinculados diretamente ao desenvolvimento e ao produto final.

Do ponto de vista do escritor, chamo a atenção para os contratos de edição da obra literária, que não raro possuem cláusulas permitindo a adaptação da obra para o audiovisual, e fixando a remuneração do autor. Na lei francesa é um pouco diferente, os contratos têm que ser separados: “Art. 131-3. Les cessions portant sur les droits d'adaptation audiovisuelle doivent faire l'objet d'un contrat écrit sur un document distinct du contrat relatif à l'édition proprement dite de l'oeuvre imprimée.”*

Portanto, a lei permite as adaptações de obras literárias para o meio audiovisual, sendo muito relevante estipular se o autor será consultado sobre a versão final, ou se dará liberdade para o cineasta, principalmente em documentários biográficos.

O aumento dos hábitos de leitura, o crescimento da indústria audiovisual brasileira, a globalização cultural, a “corrente de brasilidade” e a demanda pelas imagens, com a multiplicação dos canais de consumo audiovisual (cinemas, computadores portáteis, canais de TV paga) apontam para um aumento de adaptações literárias.

É importante os escritores saberem dessa possibilidade e interesse crescente, os editores vislumbrarem o aproveitamento econômico das obras por eles divulgadas e os cineastas celebrarem os contratos com estipulações claras, definindo as suas possibilidades de atuação.

*Art. 131-3. As cessões dos direitos sobre a adaptação audiovisual devem ser objeto de um contrato escrito em um documento distinto do contrato relativo à edição da obra impressa propriamente dita.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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