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Da Praça Pushkin, em Moscou, à Avenida Macunaíma, em São Paulo
PublishNews, 15/06/2012
Da Praça Pushkin à Avenida Macunaíma

Na terça-feira passada, uma manifestação de cerca de 100 mil pessoas em Moscou (e São Petesburgo) protestou contra o governo de Vladimir Putin, que está em seu terceiro mandato e exercendo práticas não democráticas. O que chamou a atenção na manifestação, além de seus aspectos políticos, claro, foi que ela caminhou pela Avenida Sakharov até a Praça Pushkin.

Alexandre Sergueievitch Pushkin, o poeta russo do século 19. E fiquei pensando quantas capitais ou cidades no Brasil têm avenidas, praças, ruas importantes e monumentos com nomes dedicados a escritores ou à literatura. O exemplo mais forte que me ocorreu foi a Praça Castro Alves, no centro de Salvador, local popular do carnaval baiano, bem próxima à Prefeitura e à Câmara Municipal. Como escreveu Caetano Veloso nos versos inicial e final de “Frevo Novo”: “A praça Castro Alves é do povo/ É aqui nessa praça que tudo vai ter de pintar” – e não há turista que não passe por ali em seu percurso rumo ao Pelourinho, onde se situa a Casa de Jorge Amado.

Também se pode lembrar as simpáticas estátuas em homenagem a Manuel Bandeira e a Carlos Drummond de Andrade na cidade do Rio de Janeiro. Em Belo Horizonte, há um conjunto de estátuas em homenagem a Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino. É claro que há muitos outros exemplos, mas a questão é se eles são a regra ou a exceção e, principalmente, se são referências centrais em cada cidade.

O exemplo de São Paulo é muito desfavorável a esse respeito. Álvares de Azevedo, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Antônio de Alcântara Machado, Guilherme de Almeida, Juó Bananere, Haroldo de Campos, apenas para citar alguns escritores e poetas identificados com a cidade, será que nos lembramos onde estão praças, avenidas, ruas e estátuas que lembram sua presença? E Machado de Assis, Manuel Bandeira, Graciliano Ramos, Monteiro Lobato e Jorge Amado?

Não se trata, claro, de propor a decretação de uma memória oficial e a implantação de bustos em praças. Quem passa pelo Largo do Arouche e Praça da República, no centro da capital paulista, sabe como as dezenas de estátuas e bustos não dizem nada ao nosso cotidiano – isso quando a identificação do nome do homenageado ainda permanece. Há muitas formas criativas e lúdicas de nomear ou lembrar, como as próprias esculturas a Bandeira e Drummond na capital carioca; um exemplo muito simpático a ser lembrado é a escultura a Alice no País das Maravilhas no Central Park em Nova York, com seus personagens ludicamente presentes dentro de um parque e convidando a sentar-se junto deles.

A questão é que está ausente do nosso cotidiano público a memória desses personagens e de sua produção cultural e literária. Curiosamente, no entanto, os nomes dos escritores e poetas citados acima estão, sim, contemplados com nomes de ruas, mas se eu não tivesse consultado o Google Maps não lembraria de nenhum local. Mário de Andrade é uma pequena rua em Santa Cecília, próxima à Rua Lopes Chaves onde o escritor morou (e também uma avenida em Itaquaquecetuba). Oswald de Andrade é uma ruazinha em Santo Amaro; sem nenhum desrespeito aos que ali vivem, vale à pena entrar no Google Maps e checar se é um local central para a memória da cidade de São Paulo. Juó Bananere é nome de rua em Pindamonhangaba, mas não há registro em São Paulo; tenho certeza de que o Marquês de Três Rios, no Bom Retiro, apreciaria a companhia no escritor macarrônico ítalo-brasileiro, afinal, “O maiore distritto di Zan Baolo,/ O maise bello e ch'io maise dimiro/ É o Bó Ritiro!”.

A Rua Monteiro Lobato fica próxima às ruas Euclides da Cunha, Castro Alves, Machado de Assis, José de Alencar, Lima Barreto, Raul Pompéia e outros, em um loteamento entre a Avenida Anhanguera e o Rodoanel. Alguém que merece todos os aplausos decidiu criar ali um território de escritores, mas as ruas são pequeninas e muito distantes de uma geografia urbana relevante para a memória da cidade. Existem, claro, a Biblioteca Mário de Andrade, a Biblioteca Monteiro Lobato, a Casa Guilherme de Almeida e várias outras na cidade com nomes homenageando escritores. E existe uma Avenida Jorge Amado (você já passou por ela?) no Jardim das Palmas – sorte dos seus moradores!

Estes exemplos de “ausências” se multiplicam às dezenas, incluindo as nomeações fora de um eixo que seria relevante para a memória cotidiana da cidade. E com as exceções que confirmam como nada temos parecido a uma Praça Pushkin ou Castro Alves, centros dos acontecimentos, do carnaval às manifestações políticas.

Criar “lugares da memória” da literatura e de livros na cidade de São Paulo certamente contribuiria para transformar o cotidiano da cidade. Tornaria o espaço da cidade um território reconhecível da constituição de uma memória social enraizada e compartilhada, a cidade como um projeto coletivo em construção permanente no qual todos somos parte ativa. É claro que não precisa ser alegre, pode-se falar de momentos difíceis da história e de livros e autores relacionados às lutas sociais, políticas e democráticas. Poderíamos estender à música popular, a Adoniran Barbosa, Geraldo Filme, ao samba de Pirapora do Bom Jesus, aos Demônios da Garoa e assim por diante. A falta disso empobrece nossos caminhos cotidianos.

Não seria simpático uma Avenida Macunaíma (há uma Rua Macunaíma em Santana do Parnaíba), uma Praça Muiraquitã, uma Praça Visconde de Sabugosa ou Emília ou Dona Benta? Ou uma Praça Sítio do Picapau Amarelo? Ou Capitu? E uma Praça Vidas Secas? Ponte Pauliceia Desvairada? Praça Marco Zero? Viaduto Semana de 22? Largo Xadrez de Estrelas? Inscritos na pedra ou em outro suporte, trechos de livros e versos de poesia poderiam estar espalhados por praças...

Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.

Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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