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O mar, o cacau e a literatura de Jorge Amado no Museu da Língua Portuguesa
PublishNews, 04/05/2012
O mar, o cacau e Jorge Amado em São Paulo

É imperdível a exposição sobre Jorge Amado no Museu da Língua Portugesa, na Estação da Luz, em São Paulo, em cartaz até 22 de julho. Talvez o mérito mais importante da exposição seja que ela propicia uma atraente e efetiva aproximação com a literatura de Jorge Amado, o que significa dizer, com a literatura em geral.

As nove duplas de totens audiovisuais posicionados logo na entrada (cada um com um personagem/livro) são engenhosos, permitindo ao mesmo tempo ler páginas de diversos romances, ouvi-las e, então, assistir um pequeno audiovisual com filmes, quadros e fotografias que compõem uma narrativa bem articulada e que nos proporciona uma imersão na literatura e no universo cultural de Jorge Amado.

Um dos recursos interessantes dos audiovisuais é que as reescritas e correções do escritor em seus manuscritos (datiloscritos) vão aparecendo na tela aos poucos, mostrando ao leitor/espectador as camadas de criação de um texto literário, como se acompanhássemos a escrita do autor no momento de sua criação.

As outras salas/módulos são muito simpáticos, compondo elementos do universo biográfico do autor e da cultura baiana. Uma sala registra sua atividade política (ele foi eleito deputado federal pelo PCB), outra exibe fotografias da vida do autor (e suas camisas estampadas e coloridas), um terceiro espaço permite ler em brechas na parede trechos dos romances com referências amorosas e eróticas e outra tem objetos e símbolos religiosos da Bahia; a exposição apresenta ainda capas de edições estrangeiras (ele foi traduzido em cerca de 50 países) e documentos.

Dois documentários mostram vida e obra de Jorge Amado com filmes e depoimentos emocionantes, incluindo os de Dorival Caymmi, Caribé, Caetano Veloso, Zélia Gattai, Paloma Amado e outros. Algumas frases preciosas compõem os documentários, entre elas as de Monteiro Lobato, Antonio Cândido, Mário de Andrade e Mia Couto – destacando a descoberta da potência de um português literário que não era o da metrópole e do dominador.

Dois paineis artísticos remetem ao cacau e ao mar, presenças fundamentais na sua obra, e há outros elementos, como fitinhas do Senhor do Bonfim com os nomes de seus personagens e azulejos típicos da Bahia com frases do autor. Diferentemente dos excessos “cenográficos” de muitas exposições e de certa submissão do conteúdo à cenografia – muitas vezes apresentado de forma fragmentada (como se apresentar um painel com informações básicas a um visitante que nada conhece do assunto fosse antiquado) – esta exposição encontra um equilíbrio sereno, capaz de atrair visitantes ao mundo da leitura e da literatura e de agradar leitores já iniciados.

A exposição no Museu da Língua Portuguesa integra um vigoroso circuito de exposições em São Paulo, que tem sido visitado por centenas de milhares de pessoas. Nas últimas semanas, passeando pelas exposições na Pinacoteca (Alberto Giacometti), no Masp (Giorgio de Chirico e uma belíssima retrospectiva do acervo do próprio museu), no CCBB (sobre a Índia) e no Memorial da América Latina (os paineis da ONU de Cândido Portinari) – além das exposições no museu AfroBrasil –, era visível como essas exibições e a visita aos museus se tornaram programa familiar de fim de semana.

Ir a uma exposição é um passeio interessante e agradável, mas exige ao mesmo tempo uma disponibilidade que nada tem a ver com o mundo da televisão e do lazer digital. Requer leitura e denso esforço de olhar, compreender (ou não) e ser ativamente desafiado em suas próprias percepções e valores. Diante disso, me perguntei muitas vezes qual seria a ponte possível entre essa experiência e o mundo das bibliotecas e da leitura.

A exposição com os quadros “Guerra e Paz” de Cândido Portinari está abrigada no Memorial da América Latina em três edifícios, entre eles a biblioteca. Enquanto via a exposição, observava também as pessoas, e fiquei intrigado com a admiração, o maravilhamento do público ao olhar as duas telas gigantes. A dimensão dos quadros fazia o olhar de cada um passear para ver detalhes e o movimento das cenas. Esse olhar era quase sempre coletivo, ou seja, pessoas olhando em grupo e compartilhando suas observações e achados.

A exposição de Portinari tem um recurso “tecnológico” estimulante: enquanto olhamos as dua telas, muito bem dipostas em um imenso espaço, um audiovisual é projetado em um telão, destacando fragmentos das telas e iluminando nos originais esses detalhes. Os imensos quadros ganham uma vida, o que os torna ainda mais impactantes. Depois, uma das exposições, além de documentos e recortes de jornal, mostra quadros com vários desses fragmentos (particularmente, gosto dos estudos de pés – os pés de Portinari são como raízes que conectam o homem à sua terra e à sua cultura). A outra exposição projeta as obras completas dele.

Da mesma forma que os totens audiovisuais na exposição sobre Jorge Amado, a mostra de Portinari traz exemplos de recursos tecnológicos e virtuais que potencializam e propõem ângulos novos e olhares mais apurados, e que não substituem a experiência da leitura, do olhar, do passeio pela cidade, do contato direto com as artes e os textos, inseridos e contextualizados em um mundo real e habitado.

Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.

Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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