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Um tesouro editorial de 1800 em exposição na Pinacoteca
PublishNews, 14/10/2011
Um tesouro editorial de 1800 em exposição

A exposição “Frei Veloso e a Tipografia do Arco do Cego”, em exibição na Pinacoteca, em São Paulo (até 15 de novembro), é uma rara oportunidade de conhecer um tesouro da história editorial portuguesa e brasileira. A Casa Literária do Arco do Cego, que funcionou entre 1799 e 1801 em Lisboa, publicou cerca de 80 livros destinados à colônia brasileira, entre manuais de agricultura, apicultura, botânica, desenho, matemática, poesia, filosofia, artes gráficas, construção de pontes e canais, montagem de um engenho de açúcar e outros, em sua maior parte livros de divulgação científica e práticas econômicas, incluindo traduções de obras inglesas e francesas. Segundo o historiador Aníbal Bragança, a Arco do Cego pode ser considerada a primeira editora brasileira de grande relevância, mesmo tendo sido criada em Lisboa.

O que é mais interessante ao se conhecer a trajetória desta editora e oficina tipográfica é que ela representa a confluência de um projeto editorial, reunindo publicações de forma coerente; uma proposta de ensino, com o aprendizado do ofício de preparar livros e desenvolver técnicas de ilustração (entre outros ofícios da arte do livro), e um projeto político específico da metrópole em relação à sua colônia americana.

Segundo Aníbal Bragança, com a ascensão de Pombal em 1750 ao posto de secretário de Estado de D. José I, o Brasil colônia se tornou lugar central para o desenvolvimento do Império Português e a partir daí definiu uma verdadeira estratégia de “Iluminismo de Estado”. Esta política resultou na criação de companhias de comércio e na racionalização e diversificação da atividade produtiva na colônia para dinamizar a sua economia. Outro personagem chave desta história e da Tipografia Arca do Cego foi D. Rodrigues de Souza Coutinho, que se tornou ministro da Marinha e Negócios Ultramarinos em 1896. Foi neste com texto político que se inseriu a Tipografia do Arco do Cego, com suas publicações de teor prático e pedagógico, dirigidas a pequenos proprietários, agricultores e artesãos, o que contrasta com a política anterior de impedir a circulação de informações que pudessem dar qualquer autonomia à colônia.

A exposição na Pinacoteca exibe cerca de 60 edições originais da Arco do Cego, entre eles O fazendeiro do Brazil (obra em dez volumes), e de outras edições nas quais Frei Veloso esteve diretamente envolvido como editor. Os livros, além de escritos em linguagem direta para serem acessíveis, eram ilustrados com desenhos científicos, item muito valorizado nas edições – na exposição há muitas ampliações de pranchas de imagens.

As obras eram enviadas a agentes da administração colonial ao Brasil em caixotes de livros para serem vendidos por preço barato ou mesmo distribuídos de graça (conforme Rubens Borba de Moraes). “O plano, os investimentos e as ações desenvolvidas pelo governo [português], por meio do Arco do Cego, poderão ser consideradas a primeira ação pública de promoção da leitura e do aperfeiçoamento técnico através do conhecimento veiculado pelo livro impresso em Portugal e no Brasil”, escreveu Aníbal Bragança, para quem este “foi um empreendimento editorial que visou a autossuficiência, abarcando várias funções ligadas às artes gráficas, a começar pela tipografia e incluindo uma oficina de calcografia, provida de um corpo autônomo de gravadores, a que se juntou também uma oficina tipoplástica, na qual se produziam seus próprios tipos e mesmo se vendiam a outras tipografias” (o artigo de Bragança está na imperdível coletânea Impresso no Brasil. Dois séculos de livros brasileiros, organizada por ele e por Márcia Abreu e editado pela Editora da Unesp/Biblioteca Nacional).

A editora foi dirigida por Frei José Mariano da Conceição Veloso (1741-1811), nascido em Minas Gerais, que se tornou padre, estudou Botânica e lecionou História Natural. Frei Veloso iniciara em 1783, como naturalista, uma expedição botânica formada na Colônia e que chegou a ter mais de 40 integrantes. Em viagem a Lisboa, em 1790, levou os originais do seu livro Flora fluminensis (editado apenas em 1831) e 70 “caixões” para o Real Museu e o Jardim da Ajuda e passou a trabalhar no estudo e catalogação das espécies.

Aos visitantes que se aventurarem a conhecer este tesouro editorial, vale a pena conferir também as outras exposições da Pinacoteca e do Museu da Língua Portuguesa (onde está em cartaz uma simpática exposição sobre Oswald de Andrade). Ir a estes museus nos finais de semana, em especial nos sábados – dias em que ambos são gratuitos – é participar de uma verdadeira festa cívica na cidade, tamanha a quantidade de visitantes e a ebulição em torno das exposições. Em particular, vale a visita na Pinacoteca aos desenhos de Saul Steinberg e, entre outros, conferir a série provocativa e genial de “documentos falsificados”.

Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.

Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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