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O livro (digital) e a leitura, e nada mais
PublishNews, 05/11/2010
A velha e nova leitura digital

No primeiro post do seu novo blog, “Tipos Digitais - O futuro digital do mercado editorial”, Carlo Carrenho, fundador do Publishnews, faz diversas observações instigantes sobre a condição do leitor e da leitura no mundo digital. Em “O iPad é tão bom que perde para o Kindle”, ele avalia e compara diferentes leitores digitais: iPad, iPhone, Cooler, Sony Reader e dois Kindles (2ª e 3ª gerações).

O melhor e-reader é o Kindle (3ª geração), sem sombra de dúvida, afirma ele, embora o melhor aparelho seja o iPad. O iPad é um tablet multifuncional que concorre com vantagem com os laptops. Já o Kindle é um e-reader, e nada mais. A leitura nele é mais agradável e o leitor é menor e mais leve que o iPad. “Mas não é isto o que realmente faz a diferença”, esclarece Carrenho, apontando para a leitura no século 21: ”A grande questão é que ler um livro exige um mínimo de tranquilidade. Toda leitura de livro é um certo retiro emocional e espiritual, é um momento de reflexão e de relaxamento. E o iPad é tão bom, tão ágil, tão divertido que se torna impossível alcançar a paz de espírito necessária para a boa leitura. Quando estou com meu iPad, não consigo ficar 10 minutos sem checar e-mail, ver o Twitter ou navegar na Internet. É fascinante e viciante. Portanto, para ler com calma e viajar no prazer da leitura nada é melhor que o Kindle”.

Retiro emocional e espiritual, momento de reflexão e relaxamento: imagens fortes e precisas para definir a leitura na Era digital. Mas esta não é uma questão nova. A leitura já sofria a concorrência da televisão, do rádio, da música, e nossos pais e avós já nos recriminavam por ler diante da televisão e “fazer duas coisas ao mesmo tempo”. E, por outro lado, existem outras formas de leitura que não a silenciosa e solitária: a leitura coletiva, em voz alta, mediada por um leitor e assim por diante.

Mas a leitura é essencialmente é um ato solitário, que exige “retiro”, concentração, certo distanciamento e deslocamento do mundo. Exige também, e sobretudo, “trabalho”. Ler dá trabalho porque nos retira da passividade, do patamar cômodo da perda de identidade e da experiência do mundo em que, estranhamente, o excesso de comunicação nos têm colocado, mesmo quando acreditamos que estamos sendo sujeitos e ativos. Nestas situações, estamos, de fato, consumindo pedacinhos de mensagens e fragmentos de narrativas.

Ler, acompanhar e construir narrativas dá trabalho. Colocar-se no lugar do Outro e envolver-se, seja em uma aventura seja em uma cultura diferente, isso dá muito trabalho. Pensar utopias é trabalhoso. Imaginar dá trabalho e exige uma abertura e disponibilidade profundas. Elaborar a própria subjetividade dá trabalho. Este trabalho da leitura, longe de nos afastar do mundo, nos insere solidamente nele, permite construir formas de convivência, de tolerância e de respeito pela pluralidade.

A leitura, escreveu Michèle Petit, em seu Os jovens e a leitura (Editora 34), ajuda os jovens “a encontrar palavras, a serem um pouco mais atores de sua própria história”, permite elaborar melhor o mundo interior e sua relação com o mundo exterior. Petit partiu de um trabalho com bibliotecas e leituras nas periferias francesas, particularmente com jovens imigrantes, nas quais o acesso ao livro abriu, sem ingenuidade e expectativas maiores, perspectivas de uma vida com mais possibilidades.

“Se tal contribuição da leitura para a descoberta ou para a construção de si não é nova, ela ganha destaque particular nestes tempos em que, bem mais do que no passado, cabe a cada um construir sua própria identidade. Até pouco tempo atrás, a identidade decorria em grande medida de uma linhagem familiar e de um sentimento de pertencimento étnico, religioso, social”, escreve ela. Mas os moldes desapareceram, as raízes foram cortadas, os modelos e ideologias estão desestruturados e hoje cada um deve construir sua identidade e experimentar sentidos, valores e referências, processo ainda mais complexo na adolescência.

Petit conta experiências de como diversas práticas de leitura, ler e utilizar bibliotecas, permitiram a jovens construir novas narrativas sobre suas vidas e sobre o mundo, em contextos sociais de exclusão e violência. A leitura, sem diferenciar utilidade de prazer, é efetivamente um caminho para se tornar sujeito e construir ou reconstruir identidades.

Admito minha relutância pessoal em acreditar que e-readers possam dar conta das possibilidades de narrativa, da construção de identidades e da experiência do mundo que aprendemos por meio dos livros em papel e das bibliotecas. Mas ao ler o texto de Carlo Carrenho, inaugurando um blog que vai apontar as perspectivas futuras do livro digital, em que ele prefere um aparelho que seja apenas um “e-reader, e nada mais”, e que isso possa garantir o “retiro emocional e espiritual, momento de reflexão e relaxamento” que a leitura pede, oferece, exige, confesso que começo a achar possível que estejamos diante de algo realmente novo (em suas possibilidades tecnológicas) e, feliz e simultaneamente, muito antigo: o livro e a leitura, e nada mais.

Nada mais, já que, conforme Michèle Petit, “a leitura tem o poder de despertar em nós regiões que estavam até então adormecidas. Tal como o belo príncipe do conto de fadas, o autor inclina-se sobre nós, toca-nos de leve com suas palavras e, de quando em quando, uma lembrança escondida se manifesta, uma sensação ou um sentimento que não saberíamos expressar revela-se com uma nitidez surpreendente”.

Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.

Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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