Dia desses, descendo uma rua perto de casa, passei na frente da construção de um novo edifício, na louca verticalização da já verticalizada São Paulo. Moro num bairro que não tem mais pra onde crescer, exceto para cima, processo já sem volta que ocupa o lugar de casas e empreendimentos abandonados.
Com o prédio ainda sendo gestado, o elevador de carga fica na parte de fora, como um elevador panorâmico, mas sem o glamour – se é que há algum – do panorâmico a que estamos acostumados. Observei que dentro do elevador que descia havia um operário com as mãos numa espécie de apoio e o olhar longe, na direção da Avenida Paulista. Essa cena me lembrou o operário em construção do Vinicius, que sempre dizia “sim” e começou a dizer “não”.
Apesar de me emocionar sempre que penso nesse poema, não é esse o motivo deste texto que você lê. Fiquei pensando no privilégio e no protagonismo de quem ergue o edifício. Entra num lugar sem nada e faz nascer um monstro de muitos metros e andares, que será habitado por outros seres humanos – e alguns monstros também. Apesar de colocar sua força de trabalho, derramar a luz do seu suor e ganhar muito mal, o operário consegue ter a melhor vista das janelas ainda por surgirem, transita por todos os andares ainda inabitados e pode se dar ao luxo de almoçar em qualquer apartamento ainda no cimento.
Olhei pro operário e pensei em mim. Não, nunca levantei um edifício, mas fiz a relação com meu trabalho. Pensei em quantos livros já passaram pelas minhas mãos em quase 20 anos de profissão. Guardadas as devidas proporções, porque o trabalho do operário do edifício é muito mais pesado que o meu, ergui muitas coisas. Umas muito boas e outras nem tanto, mas na média foram livros bacanas de fazer.
Folheei todas as páginas, transitei por todos os capítulos, revisei todas as etapas da construção, conversei com os donos das obras para deixá-las bonitas, visitei todas as versões e ajudei a dar o acabamento, mesmo que muitas vezes não tenha me agradado. Cidadão, música de Lúcio Barbosa, cabe bem para essa minha comparação rudimentar:
Tá vendo aquele edifício, moço
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição, era quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje, depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me vem um cidadão
E me diz desconfiado
“Tu tá aí admirado ou tá querendo roubar?” [...]
Eu hoje, depois de ver os livros prontos, olha pras gôndolas e fico tonto com quantos livros bons há para serem lidos e digo: “tá vendo esse monte de livros, moço, não terei tempo de ler todos eles”. Leiam o máximo que puderem. Beijos.
Marcio Coelho começou sua carreira como revisor na antiga editora Siciliano, passou por muitas editoras como Saraiva, Nova Fronteira e Ediouro. Trabalhou na TAG – Experiências Literárias, prestou consultoria para clubes de assinaturas de livros, é professor de cursos voltados ao mercado editorial e gerente de projetos especiais do Grupo Editorial Pensamento. Além de viver de livros há mais de duas décadas, é apaixonado por eles.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.