Quem nunca se perguntou, seja autor ou seja editor se aquele final, se aquela temática, se aquela condução da narrativa, se aquela linguagem estariam ou não de acordo, em sintonia, com a escola? Ou nunca se fez a velha pergunta: é um livro para livraria ou para adoção? Esta diferença é o maior exemplo e a marca registrada deste segmento editorial que, para dar resposta a suas inúmeras necessidades, criou gêneros (livros informativos, por exemplo, ou manuais comportamentais, praticamente de autoajuda), investiu em temas e abusou de adaptações e de paratextos para deixar mais “palatáveis” e “adequadas” e direcionar as publicações. E, claro, facilitar o trabalho escolar. Certamente as impertinências e os questionamentos de Emilia, a irreverência de Pedrinho, assim como as temáticas em torno da Segunda Guerra Mundial, seriam impedimentos para algumas editoras publicarem Lobato na atualidade.
Mas em contrapartida a esta vertente da produção, este segmento desenvolveu seu lado mercado com fenômenos como Harry Potter, autores como Philip Pulmann, temas como o dos vampiros. Deixando de lado o peso inegável do marketing e se atendo, por exemplo, aos 14 anos de sucesso da saga criada pela britânica J. K. Rowling não é possível desconhecer a empatia e identificação dos leitores de pelo menos duas gerações com as peripécias do pequeno, hoje crescido, jovem bruxo. Assim como o que significou para o mercado editorial que viu diante desse fenômeno várias de suas teses mais aferradas postas por terra: o jovem não só lê, como devora livros com muitas páginas.
Literatura comercial? Literatura menor? Best-seller? Essa literatura não será capaz de formar leitores? Diante de todas essas questões é bom não perder de vista que estamos falando de jovens leitores, isto é, em formação. De um leitor que, como uma esponja, absorve tudo que lhe cai nas mãos: gibis, clássicos, revistas, séries, livros melhores, livros piores. O leitor maduro, ao contrário, pressupõe uma história de leitura a partir da qual se formam referências, critérios, um repertório capaz de formar o gosto pessoal, de fazer escolhas, de discernir na diversidade das ofertas e escolher de acordo com as suas preferências. Esta diferença é fundamental e não perdê-la de vista limpa a área de muitos dos argumentos em torno das escolhas e da qualidade das leituras que os jovens escolhem e preferem ler.
Sobre esta questão e dependendo do ponto de vista dos adultos as considerações podem ser bem diferentes. Porém, levar em conta o leitor, escutá-lo, é, sem dúvida, um dos aspectos centrais do sucesso de qualquer editor. Daí a importância e o peso da declaração de Luis Schwarcz quando, em longa e obrigatória
entrevista ao Estado de S. Paulo, afirma que o maior erro de avaliação da editora foi Harry Potter.
Rever argumentos, redefinir destinatários, se desvencilhar de preconceitos e de esquemas a priori pode ajudar muito a redirecionar a literatura para jovens e a encontrar diferentes pontos de equilíbrio entre os diferentes gêneros que a constituem. Saber exatamente o que se está fazendo e não vender ou comprar gato por lebre é fundamental do editor ao leitor. Trata-se de limpar a área e de rever conceitos e parâmetros para que a discussão avance para além dos impasses que hoje mais entravam do que ajudam a reflexão e produção da literatura juvenil.
Em tempo: Vem aí a PULO DO GATO uma nova editora. Fique de olho!
Dolores Prades é editora, gestora e consultora na área editorial de literatura para crianças e jovens. É membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen e curadora da FLUPP. É também coordenadora do projeto Conversas ao Pé da Página - Seminários sobre Leitura, e da área de literatura para crianças e jovens da Revista Eletrônica Emília. Sua coluna pretende discutir temas relacionados à edição e ao mercado da literatura para crianças e jovens, promover a crítica da produção nacional e internacional deste segmento editorial e refletir sobre fundamentos e práticas em torno da leitura e da formação de leitores. Seu LinkedIn pode ser acessado aqui.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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