O PublishNews perguntou a escritores e escritoras quais são os planos de leitura – as resoluções para o ano que começou voando – para 2024. Entre romances contemporâneos bem comentados pela crítica (como A mais recôndita memória dos homens, de Mohamed Mbougar Sarr), passando por clássicos da literatura latino-americana (de Eduardo Galeano a Raduan Nassar) e poesia (o novo lançamento de Adelaide Ivánova pela Nós), entre outros títulos. Participaram da enquete Luiza Romão, Stephanie Borges, Paula Gicovate, Rogério Pereira, Ronaldo Bressane, Dan e Julia de Souza.
Veja as respostas abaixo.
Dan, autor de Vale o que tá escrito (DBA):
Julia de Souza, autora de John ( yiné), mestre em literatura brasileira pela USP, poeta e tradutora:
Não costumo fazer muito planejamento quando se trata da lida com os livros. Em geral, deixo uma leitura puxar a outra de maneira mais orgânica. Comecei o ano lendo a Donna J. Haraway: estou encarando o catatau Ficar com o problema: fazer parentes no Chthuluceno, lançado no ano passado pela N-1 edições, na tradução de Ana Luiza Braga. Ainda estou no segundo capítulo, mas já fiquei encantada com a forma com que Haraway articula fabulação, pesquisa científica e pensamento especulativo para tratar das relações interespécies e fazer uma espécie de elogio aos “parentescos estranhos” que se formam entre organismos humanos e não humanos. Depois quero ler, também da Haraway, Quando as espécies se encontram (Ubu).
Outro livro que estou louca para ler é o Janelas irreais: um diário de releituras, do Felipe Charbel (Relicário, 2018). Meu último livro, John (Âyiné, 2023), trata da memória e sua perda, então o tema das anotações de leitura e a ideia de revisitar experiências pregressas de leitura me interessa bastante — e essa é uma das atividades centrais do personagem que Charbel apresenta no livro, que justapõe a ficção ao ensaio.
Luiza Romão, autora de Também guardamos pedras aqui (Nós), livro do ano do Prêmio Jabuti em 2022:
De poesia, mal vejo a hora de ler Asma (Nós) da Adelaide Ivánova! Admiro muito o trabalho dela: tanto o Martelo quanto a performance Fruto Estranho (realizada na Flip em 2017) foram um marco na minha trajetória como artista; então, tô muito feliz que vem livro novo aí (sai em abril). E de clássicos, vou respirar fundo para encarar o Antigo Testamento na tradução do Frederico Lourenço (risos).
Paula Gicovate autora de, entre outros, Este é um livro sobre amor (janela + mapa lab), traduzido e publicado na Espanha, e Notas sobre a impermanência (Faria e Silva):
Fui convidada para fazer um posfácio de Persuasão de Jane Austen, pela Antofágica, que deve ser lançado agora em março. O livro foi meu primeiro contato com Jane Austen, e mesmo sendo escrito há mais de duzentos anos ressoou muito em temas que tenho me debruçado agora como a dessacralização da família como única forma de amor e os reencontros (principalmente com nossos próprios desejos). Fiquei louca pela autora e quero muito ler sua obra ao longo desse ano. Dos nossos clássicos finalmente chegou a hora de outro grande encontro adiado. Vidas secas do Graciliano Ramos. Estou curiosa com as novas edições do livro, agora em domínio público.
Rogério Pereira, autor de Antes do silêncio (Dublinense) e editor do jornal Rascunho:
Entre as muitas manias — alguns diriam obsessões —, uma delas nunca me abandona: fazer listas. Tenho lista de livros lidos desde 1993. Ou seja, 30 anos “documentados” sobre as narrativas e poemas que passaram pela minha vida de leitor. E, obviamente, a cada início de ano faço planos de leitura. Nem sempre são seguidos à risca, pelas mais diversas contingências deste negócio chamado vida. Além disso, nos últimos 20 anos (todo dia 1º de janeiro), leio Um copo de cólera (Companhia das Letras), de Raduan Nassar. Alguns pulam ondas, comem ervilha, sete grãos de uva. Eu prefiro um copo de cólera para iniciar bem o novo ano.
Devido ao trabalho com o Rascunho, é inevitável que a literatura contemporânea (brasileira e estrangeira) integre o cardápio de leituras. Mas estes livros surgem a cada dia, no aluvião que o mercado editorial se encarrega de produzir. Numa divisão nem sempre exata, minhas leituras ficam em 60% de clássicos e 40% de contemporâneos. Com o tempo, o percentual de clássicos tem aumentado consideravelmente com as releituras — um sinal concreto de que a velhice se aproxima com voracidade.
Tento manter um equilíbrio entre os gêneros: intercalo a leitura de romances, contos e poesias (leio, ao menos, cinco poemas por dia). Por sinal, talvez termine neste ano a leitura da coletânea Poemas (Companhia das Letras), de Seamus Heaney, iniciada em 1999. Em geral, todo ano leio um ou dois poemas deste poeta irlandês que escreveu o impressionante “Seguidor”, que me parece uma síntese da minha relação com meu pai. E, ao terminar a leitura, vou recomeçá-la. Este é, para mim, um livro infinito.
Ronaldo Bressane, escritor, jornalista e professor de escrita criativa. Editor da revista Morel, e seu livro mais recente é o romance Escalpo (Reformatório):
Uma vida só é pouca pra ler tudo o que me interessa, quanto mais um ano. Agora em janeiro, lendo o Perigos de fumar na cama (Intrínseca), da Mariana Enríquez, cismei de criar um curso de literatura erótica pro meu grupo da oficina de escrita criativa, o Submarino. Então estou tirando várias coisas da pilha, como o Eros: o doce-amargo (Bazar do Tempo), da Anne Carson, as antologias da Eliane Robert Moraes, e também relendo Cristina Peri Rossi (que deve ser editada aqui este ano, afinal), Hilda Hilst, Choderlos de Laclos, Bataille, Sade e talvez tenha de voltar a me divertir com a surubrâmane de 100 páginas do Reinaldo Moraes no Pornopopeia (Objetiva).
Stephanie Borges, poeta e tradutora, autora de Talvez precisemos de um nome para isso (Cepe, 2019) e Made of Dream (Ugly Duckling Presse, 2023):
Por prazer e curiosidade, quero ler A mais recôndita memória dos homens (Fósforo), de Mohamed Mbougar Sarr, e concluir a trilogia autobiográfica de Deborah Levy. Ao longo de 2023, li Coisas que não quero saber e O custo de vida, falta o último volume Bens imobiliários (Autêntica Contemporânea). Para os meus projetos autorais, pretendo ler A saliva da fala (Fósforo), do poeta e pesquisador Edmilson Pereira de Almeida. Tenho ainda um clássico à minha espera. É Pais e filhos, de Ivan Turguêniev.