Resoluções de leitura: escritores compartilham seus planos e expectativas literárias para 2024
PublishNews, Guilherme Sobota, 17/01/2024
A lista passa por romances contemporâneos bem comentados pela crítica, clássicos da literatura latino-americana e poesia brasileira

O PublishNews perguntou a escritores e escritoras quais são os planos de leitura – as resoluções para o ano que começou voando – para 2024. Entre romances contemporâneos bem comentados pela crítica (como A mais recôndita memória dos homens, de Mohamed Mbougar Sarr), passando por clássicos da literatura latino-americana (de Eduardo Galeano a Raduan Nassar) e poesia (o novo lançamento de Adelaide Ivánova pela Nós), entre outros títulos. Participaram da enquete Luiza Romão, Stephanie Borges, Paula Gicovate, Rogério Pereira, Ronaldo Bressane, Dan e Julia de Souza.

Veja as respostas abaixo.

Dan, autor de Vale o que tá escrito (DBA):

Dan | © Tiago de Aragão
Dan | © Tiago de Aragão
Tenho o mesmo plano de leitura de todos os anos: uma vontade desesperada de encontrar pelo menos um daqueles livros muito bons, que fizeram a gente gostar de ler, e se possível sem gastar muito dinheiro. Como é uma missão difícil, vou sempre relendo algo pelo caminho. Agora mesmo, tô lendo O caminho de Los Angeles (José Olympio), do John Fante, pela terceira vez – e ele continua ótimo. Vai sair, pela primeira vez em português, O gaúcho insofrivel (Companhia das Letras), do Roberto Bolano, maior escritor que já existiu. Tô doido pra ler e continuar minha missão de seguir tentando copiar ele nas coisas que eu escrevo.

Julia de Souza, autora de John ( yiné), mestre em literatura brasileira pela USP, poeta e tradutora:

Não costumo fazer muito planejamento quando se trata da lida com os livros. Em geral, deixo uma leitura puxar a outra de maneira mais orgânica. Comecei o ano lendo a Donna J. Haraway: estou encarando o catatau Ficar com o problema: fazer parentes no Chthuluceno, lançado no ano passado pela N-1 edições, na tradução de Ana Luiza Braga. Ainda estou no segundo capítulo, mas já fiquei encantada com a forma com que Haraway articula fabulação, pesquisa científica e pensamento especulativo para tratar das relações interespécies e fazer uma espécie de elogio aos “parentescos estranhos” que se formam entre organismos humanos e não humanos. Depois quero ler, também da Haraway, Quando as espécies se encontram (Ubu).

Julia de Souza | © Renato Parada
Julia de Souza | © Renato Parada
Esse interesse pelas relações — que nem sempre são de companheirismo — entre humanos e bichos me despertou a vontade de ler um clássico que, até hoje, deixei esperando na estante: o Moby Dick, do Herman Melville.

Outro livro que estou louca para ler é o Janelas irreais: um diário de releituras, do Felipe Charbel (Relicário, 2018). Meu último livro, John (Âyiné, 2023), trata da memória e sua perda, então o tema das anotações de leitura e a ideia de revisitar experiências pregressas de leitura me interessa bastante — e essa é uma das atividades centrais do personagem que Charbel apresenta no livro, que justapõe a ficção ao ensaio.

Luiza Romão, autora de Também guardamos pedras aqui (Nós), livro do ano do Prêmio Jabuti em 2022:

Luiza Romão | © Luiza Sigulem
Luiza Romão | © Luiza Sigulem
Nesse ano, estou com duas pesquisas em andamento: uma de doutorado (acabei de ingressar) sobre voz e futebol e outra sobre violência de gênero e feminismos (algo que já investigo há alguns anos). Então, em uma frente, tenho uma lista que vai dos cadernos do ex-técnico Valdano (uma edição de 97 das anotações dele à beira do campo que encontrei, por acaso, num sebo ano passado) até crônicas do Galeano, artigos de imprensa do Lima Barreto e pesquisas histórias como Futebol feminino no Brasil, da Aira Bonfim. Na outra frente, vou começar 2024 com Cultura femicida: El riesgo de ser mujer en América Latina, de Esther Pineda G., e Down girl: the logic of misogyny, de Kate Manne, até chegar o tão esperado de Democracia para quem? (Boitempo) que reúne ensaios da Angela Davis, Patricia Hill Collins e Silvia Federici (olha esse volume!).

De poesia, mal vejo a hora de ler Asma (Nós) da Adelaide Ivánova! Admiro muito o trabalho dela: tanto o Martelo quanto a performance Fruto Estranho (realizada na Flip em 2017) foram um marco na minha trajetória como artista; então, tô muito feliz que vem livro novo aí (sai em abril). E de clássicos, vou respirar fundo para encarar o Antigo Testamento na tradução do Frederico Lourenço (risos).

Paula Gicovate autora de, entre outros, Este é um livro sobre amor (janela + mapa lab), traduzido e publicado na Espanha, e Notas sobre a impermanência (Faria e Silva):

Paula Gicovate | © Arquivo pessoal
Paula Gicovate | © Arquivo pessoal
Acho que nunca vou estar em dia com tudo o que quero ler. Geralmente quando um livro é lançado e muito comentado eu prefiro esperar um tempo até chegar nele e fazer uma leitura menos influenciada, mas tem autores como a Rosa Montero que quero ler assim que chegam na livraria, então estou ansiosa para começar O perigo de estar lúcida (Todavia). Eros (Bazar do Tempo) da Anne Carson também está na lista que eu carrego do ano passado, assim como a trilogia da Deborah Levy. (Geralmente não leio nada relacionado ao tema que estou escrevendo, no momento, sobre a vida que sobra depois do luto. Gosto de ter meu processo de escrita menos atravessado pela obra de outros autores, então tem outro livro da Rosa que quero ler assim que terminar o meu. A ridícula ideia de nunca mais te ver).

Fui convidada para fazer um posfácio de Persuasão de Jane Austen, pela Antofágica, que deve ser lançado agora em março. O livro foi meu primeiro contato com Jane Austen, e mesmo sendo escrito há mais de duzentos anos ressoou muito em temas que tenho me debruçado agora como a dessacralização da família como única forma de amor e os reencontros (principalmente com nossos próprios desejos). Fiquei louca pela autora e quero muito ler sua obra ao longo desse ano. Dos nossos clássicos finalmente chegou a hora de outro grande encontro adiado. Vidas secas do Graciliano Ramos. Estou curiosa com as novas edições do livro, agora em domínio público.

Rogério Pereira, autor de Antes do silêncio (Dublinense) e editor do jornal Rascunho:

Entre as muitas manias — alguns diriam obsessões —, uma delas nunca me abandona: fazer listas. Tenho lista de livros lidos desde 1993. Ou seja, 30 anos “documentados” sobre as narrativas e poemas que passaram pela minha vida de leitor. E, obviamente, a cada início de ano faço planos de leitura. Nem sempre são seguidos à risca, pelas mais diversas contingências deste negócio chamado vida. Além disso, nos últimos 20 anos (todo dia 1º de janeiro), leio Um copo de cólera (Companhia das Letras), de Raduan Nassar. Alguns pulam ondas, comem ervilha, sete grãos de uva. Eu prefiro um copo de cólera para iniciar bem o novo ano.

Rogerio Pereira | © Renata Sklaski
Rogerio Pereira | © Renata Sklaski
Minha meta anual é sempre ler em torno de 100 livros — algo que raramente alcanço. E assistir a 350 filmes — algo que quase sempre alcanço. Traço planos de leitura para alguns livros ou autores. Em 2024, pretendo ler com atenção a obra de Italo Calvino, autor que ocupa lugar especial em minha biblioteca afetiva.

Devido ao trabalho com o Rascunho, é inevitável que a literatura contemporânea (brasileira e estrangeira) integre o cardápio de leituras. Mas estes livros surgem a cada dia, no aluvião que o mercado editorial se encarrega de produzir. Numa divisão nem sempre exata, minhas leituras ficam em 60% de clássicos e 40% de contemporâneos. Com o tempo, o percentual de clássicos tem aumentado consideravelmente com as releituras — um sinal concreto de que a velhice se aproxima com voracidade.

Tento manter um equilíbrio entre os gêneros: intercalo a leitura de romances, contos e poesias (leio, ao menos, cinco poemas por dia). Por sinal, talvez termine neste ano a leitura da coletânea Poemas (Companhia das Letras), de Seamus Heaney, iniciada em 1999. Em geral, todo ano leio um ou dois poemas deste poeta irlandês que escreveu o impressionante “Seguidor”, que me parece uma síntese da minha relação com meu pai. E, ao terminar a leitura, vou recomeçá-la. Este é, para mim, um livro infinito.

Ronaldo Bressane, escritor, jornalista e professor de escrita criativa. Editor da revista Morel, e seu livro mais recente é o romance Escalpo (Reformatório):

Uma vida só é pouca pra ler tudo o que me interessa, quanto mais um ano. Agora em janeiro, lendo o Perigos de fumar na cama (Intrínseca), da Mariana Enríquez, cismei de criar um curso de literatura erótica pro meu grupo da oficina de escrita criativa, o Submarino. Então estou tirando várias coisas da pilha, como o Eros: o doce-amargo (Bazar do Tempo), da Anne Carson, as antologias da Eliane Robert Moraes, e também relendo Cristina Peri Rossi (que deve ser editada aqui este ano, afinal), Hilda Hilst, Choderlos de Laclos, Bataille, Sade e talvez tenha de voltar a me divertir com a surubrâmane de 100 páginas do Reinaldo Moraes no Pornopopeia (Objetiva).

Ronaldo Bressane | © Arquivo pessoal
Ronaldo Bressane | © Arquivo pessoal
Pro meu doutorado, que é sobre o sofrimento psíquico na literatura brasileira, pretendo me aventurar naquela floresta impenetrável de sentenças mal escritas que são os Seminários do Lacan (sorry, lacanianos, mas nessa área ninguém nunca vai escrever tão bem quanto o Freud) e pesquisar mais o Qorpo Santo, que aliás merecia uma edição decente. À parte essas leituras “obrigatórias”, tem também aquelas que são pelo puro prazer da leitura, como os novos do Michel Laub e do Marcílio França Castro, o Doppelganger da Naomi Klein, uma autobiografia do monstro Werner Herzog, a bio do Leonel Brizola que minha amiga Karla Monteiro está finalizando, e li por aí que este ano vai ter um lançamento da bruxona Olga Tokarczuk, que estou louco pra ler – a considero a maior escritora do nosso tempo. Clássico? O Ulysses parado no meio do caminho tá me olhando feio ali do alto da estante, mas acho que vai ter que esperar minha terceira idade...

Stephanie Borges, poeta e tradutora, autora de Talvez precisemos de um nome para isso (Cepe, 2019) e Made of Dream (Ugly Duckling Presse, 2023):

Por prazer e curiosidade, quero ler A mais recôndita memória dos homens (Fósforo), de Mohamed Mbougar Sarr, e concluir a trilogia autobiográfica de Deborah Levy. Ao longo de 2023, li Coisas que não quero saber e O custo de vida, falta o último volume Bens imobiliários (Autêntica Contemporânea). Para os meus projetos autorais, pretendo ler A saliva da fala (Fósforo), do poeta e pesquisador Edmilson Pereira de Almeida. Tenho ainda um clássico à minha espera. É Pais e filhos, de Ivan Turguêniev.

Stephanie Borges | © Arquivo pessoal
Stephanie Borges | © Arquivo pessoal


Tags: Literatura
[17/01/2024 09:59:02]