Setor de livros CTP vive entre o desalento e a esperança, após números negativos nas pesquisas
PublishNews, Guilherme Sobota, 13/06/2023
Fatores sociais e econômicos têm impacto no baixo desempenho no setor em 2022, mas pela primeira vez parcela digital ajudou a segurar a queda

Leitores compram livros na Feira do Livro da Unesp, em abril | © Diego Moura
Leitores compram livros na Feira do Livro da Unesp, em abril | © Diego Moura
Os livros CTP (científicos, técnicos e profissionais) constituíram o único subsetor da Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro (ano base 2022) que registrou decréscimo nominal nas vendas ao mercado, com um recuo de 10%. Em termos reais, a redução foi de 15%, de acordo com a pesquisa divulgada em maio, um mapeamento anual do setor do livro no país promovido pelo Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL), Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pela Nielsen.

Porém, quando se somam os desempenhos de CTP impresso e digital (na Pesquisa Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro), esse é o primeiro ano que o subsetor apresenta um crescimento nominal de 1%, segundo a economista da Nielsen BookData, Mariana Bueno. "Essa soma segura a queda do impresso – em termos reais ainda há queda, por conta da inflação. Mas é um dado positivo porque consolida nova forma de comercialização dessas editoras", explicou na apresentação da pesquisa.

O diretor-presidente e publisher da Fundação Editora da Unesp e presidente da Associação Brasileira das Editoras Universitárias (Abeu), Jézio Hernani Bomfim Gutierre, teve uma impressão geral de "desalento esperado" em relação aos números da pesquisa. "'Desalento' porque o subsetor permanece sendo um elemento extremamente relevante para o desenvolvimento científico e tecnológico, mas isso não se refletiu no desempenho editorial aferido para esse período. 'Esperado' porque os mesmos fatores de fragilização do setor atuantes no passado permanecem vigentes", afirma, em entrevista ao PublishNews.

Para o presidente do SNEL, Dante Cid, também vice-presidente da Elsevier, editora do subsetor, "o CTP sofre o impacto de diversas mudanças simultâneas do ambiente acadêmico. Pela primeira vez, fico feliz com essa informação de que ao agregar os dados, o subsetor apresenta, pelo menos no nominal, um crescimento positivo. Tudo bem que é sobre uma base muito menor do que era 20 anos atrás, mas a tendência é que o digital passe a ajudar o setor a frear a queda real e ter uma tendência positiva para o médio prazo".

Outros números

No conteúdo digital, CTP representa cerca de 20% do volume de vendas "à la carte" ao mercado, ou seja, de unidades inteiras (atrás de ficção, 41%, e não ficção, 40%) – em faturamento, a parcela dos livros CTP no mercado é de 34%.

Outro aspecto destacado pela economista Mariana Bueno na apresentação foi o crescimento da categoria Bibliotecas Virtuais – houve um crescimento de 69% em relação a 2021, resultando num faturamento total de R$ 77 milhões para as editoras. Na maior parte, essas bibliotecas são comercializadas fundamentalmente com universidades.

Existe ainda uma dificuldade natural de aumentar o preço médio dos exemplares porque os livros já são mais caros, então não é fácil ter margem para subir o preço. Os principais canais de venda, segundo as pesquisas, são as livrarias exclusivamente virtuais e livrarias.

Números do subsetor CTP na Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro (ano base 2022)
Números do subsetor CTP na Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro (ano base 2022)

Números do subsetor CTP na Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro (ano base 2022)
Números do subsetor CTP na Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro (ano base 2022)
Razões da queda dos números dos livros CTP

Quem determina o comportamento do subsetor de CTP é o mercado. Também por isso, este é o subsetor que apresenta os maiores decréscimos desde o início da crise econômica. Segundo a Nielsen, as quedas sequenciais se dão por diversas razões, como:

  • Crise econômica faz com que exista evasão nas universidades
  • Alunos que permanecem buscam outras formas de adquirir conteúdo (pirataria)
  • Há outras formas de consumir os conteúdos, como vídeos no Youtube e outras plataformas
  • Momento da graduação on-line, muitas vezes com material em sistema de apostilas

"Para 2022/23, estamos ainda sofrendo o rescaldo de um período excepcional", analisa o presidente da Abeu, Jezio Gutierre. "A pandemia represou as reservas financeiras das famílias, que se viram em quarentena e circunscritas a um perfil de lazer doméstico, não gregário, que favorecia muito a compra de livros. Isso foi claramente verificado em 2021, com recordes de faturamento horizontal experimentados por praticamente todos os subsetores editoriais. O que se verifica agora é, em parte, a contrapartida daquele momento: o consumo procura o lazer público, de viagens turísticas a exposições e espetáculos de massa. Como consequência, observa-se migração do dispêndio antes reservado para a leitura e o livro".

Ele destaca, porém, que esse não é elemento único e "talvez nem mesmo preponderante" para explicar o desempenho do CTP. "O Brasil tem experimentado queda constante de procura pelo ensino superior, incluindo-se aí as universidades de excelência. Naturalmente, universidades de pesquisa, especialmente nas áreas de Humanidades e Ciências Humanas, têm vínculo direto com o livro. Esse encolhimento da procura pela formação acadêmica de qualidade possivelmente constitui mais um item oneroso para a edição universitária e se associa à crescente desvalorização da escrita do livro acadêmico como parte constitutiva da carreira de docentes e pesquisadores. Todos esses fatores, em conjunto, aliados a outros tantos presentes em toda a indústria do livro (a escalada dos custos gráficos não pode ser esquecida aqui) trazem um meio ambiente hostil para o subsetor e propiciam explicações, mesmo que parciais, para os dados constantes da pesquisa".

Para o gerente de vendas da FGV Editora, Marcelo Pontes, há outro fator que pode ter contribuído nas quedas recentes, a consignação. "A consignação também tem um papel importante nessa queda, apesar de facilitar muito o acesso das livrarias às obras e das editoras para escoar a sua produção. Mas essa facilidade é aliada a um risco mínimo, porque levou as livarias a deixar de dar destaque a essas obras, priorizando os livros adquiridos por compra e que precisam ter uma venda imediata visando o retorno financeiro empregado", explica. Ele também apontou a redução ou mesmo a eliminação de políticas públicas de incentivo à leitura e o corte de verbas de instituições públicas como fatores a serem considerados.

Futuro do CTP

“Nosso entendimento é de que os números apurados pela pesquisa só refletem o “investimento” feitos nos últimos anos em educação, especialmente no âmbito da ciência, tecnologia e inovação", analisa o editor-executivo da Editora Fiocruz, João Canossa. "O tempo sugere ser de fortes retomadas, o que pode significar novos cômputos mais adiante. Para nós, da edição acadêmica, universitária, o desafio tem sido fazer o livro chegar ao leitor, de forma acessível, possível. Faz parte de nossa missão favorecer esse acesso, até por nossa função social e cidadã”.

Para Jezio Gutierre, cabe reconhecer algumas oportunidades que podem ser aproveitadas pelas editoras. "Espera-se, por exemplo, que as vendas para o governo tomem novo alento, e essa tem sido esperança bem alicerçada", explica. "O mesmo acontece caso analisemos as tendências do consumo: parece plausível supor que, passada a euforia atual com o reencontro com pessoas e convivência comunitária, patamares históricos de consumo livreiro pré-pandêmico sejam reinstaurados. O livro digital, por sua vez, continuará sua escalada e, sem dúvida, terá papel positivo, embora ainda bastante secundário, na recuperação do setor. Tudo isso, aliado ao gradual aperfeiçoamento de estratégias de comercialização por parte das editoras (as editoras universitárias são exemplo disso), permite que tenhamos hoje – em confronto com o "desalento esperado" frente aos dados da pesquisa – uma "esperança comedida" em relação à trajetória futura do sub-setor".

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[13/06/2023 08:30:00]