A cabeça do editor do século 21: cadê a cabeça?
PublishNews, Angela Mendes, Daniela Padilha, Lizandra Magon de Almeida e Paulo Verano*, 14/12/2016
Coletivo de editores se reúne para responder ao artigo ‘A cabeça do editor do século 21: cadê o glamour?’, de Rogério Alves

“O negócio da edição de livros é por natureza pequeno, descentralizado, improvisado, pessoal; mais bem desempenhado por pequenos grupos de pessoas com afinidades, devotadas ao seu ofício, zelosas de sua autonomia, sensíveis às necessidades dos escritores e aos diversos interesses dos leitores. Se o dinheiro fosse o principal objetivo, essas pessoas provavelmente teriam de ter escolhido outras carreiras”.

Assim começa O negócio do livro (Record, 2002), obra escrita por Jason Epstein, que, menos que um futurólogo ou aventureiro, foi diretor editorial da Random House por décadas e cofundador da The New York Review of Books. E termina assim:

“Minha previsão é de que as unidades editoriais futuras serão pequenas, embora possam estar relacionadas com uma fonte financeira central. Na medida em que os escritores entreguem o conteúdo de suas mentes direto às mentes dos leitores na rede, como Stephen King o fez, tais funções editoriais residuais, como o marketing, as vendas, a entrega e a estocagem, juntamente com suas burocracias e ineficiências, poderão ser minimizadas e atribuídas a empresas especializadas A edição de livros pode deste modo tornar-se mais uma vez uma pequena indústria de unidades diversas e criativas, ou pelo menos há hoje motivo para crermos nisso”.

As demais 156 páginas que compõem o livro narram com sabor sua biografia editorial, marcada por muitos acertos, sendo o livro de bolso apenas um deles, e premiações diversas, além do acerto cotidiano de ter lido corretamente as vírgulas de Gore Vidal, Jane Jacobs, Norman Mailer, Philip Roth e Vladimir Nabokov, entre alguns de seus inúmeros autores.

O futuro pertence ao que acreditarmos. Pode ser o Mercado, pode ser Deus, pode ser as Crianças, pode ser a Inovação, pode ser a Experimentação, pode ser o Resgate das Boas Práticas, pode ser o oposto do que Charles Chaplin identificou longinquamente em seu Tempos Modernos (1936), enfim — o que quisermos acreditar, será.

A visão de Epstein sobre o futuro do livro e do editor -- e ele passou mais de 50 anos procurando o futuro e ainda continua a procurá-lo -- é mais uma visão, por casualidade substancialmente oposta à apresentada no artigo A cabeça do editor do século 21: cadê o glamour?, assinado por Rogério Alves e publicado pelo PublishNews em 9 de dezembro último.

Apresentamos, pois, a nossa visão. Somos também editores. Já atuamos em grandes e em pequenas estruturas. Temos uma boa janela. Sabemos ouvir o que se dá do outro lado e nos dedicamos com interesse a essa escuta. Sabemos, por exemplo, que se a mesma pergunta do aluno de Edição fosse feita a colegas seus do curso de Editoração, possivelmente ouviria deles que os alunos também vão em busca de repertório e de conhecimento para iniciar suas próprias experiências na arte de editar, porque sabem que há um mundo fervilhando em livros inovadores publicados por pequenos, mas Grandes, Editores.

O mesmo valerá para uma infinidade de outros atores do mercado editorial. Editores que sabem que seu trabalho — que a etimologia já explica ser tecer junto — é ligar o Autor, o Artista Gráfico, o Ilustrador, a sua própria visão e a de inúmeros outros atores ao Leitor. Todos com letra maiúscula, porque não são números, e em todas as suas ideias recheadas de vírgulas e tipologias bem escolhidas desejam promover esse encontro poderoso em direção ao Conhecimento, seja ele objetivável ou não, lúdico ou pragmático. Pensam de modo autônomo, desconfiam de verdades absolutas e acreditam na força do Livro. E, se o fazem, é porque entendem absolutamente de seu Negócio.

Esqueçamos a falsa polaridade entre o editor glamoroso e o editor cabeça-de-planilha. O primeiro, se está no cinema (lembremos de Maxwell Perkins, descobridor de Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e Tom Wolfe), é menos por sua extravagância e mais pelo talento de canalizar extravagâncias outras ao Bom Livro. Outros editores glamorosos ou pseudoglamorosos que tivemos, no Brasil ou fora, acabaram de fato esquecidos. Mas também não ficaram na lembrança os mero executores.

Uma pergunta central para entender “a cabeça do editor do século 21” é: “Cadê a cabeça?”.

Como todo ser que vive nesse complexo novo século, o editor do século 21 precisa pensar. E, se precisa pensar, o deve fazer também em relação a suas práticas. Há uma parte de seu trabalho que resvalará em outras áreas, mas isso não pode se dar com sua transformação em um mero seguidor das práticas consagradas pelo mercado, sobre as quais só cabem reflexões de curto prazo, tão caras a todos os negócios que se pautam apenas pelos resultados imediatos. Estimulemos o Marketing, o Financeiro, o Comercial das grandes e pequenas editoras (que, neste segundo caso, são também o Editor) a pensar também como Editores. Façamos também o exercício oposto. Mas, antes de mais nada, nos lembremos de que trabalhamos com Livros — portanto o cerne do Negócio.

Que não são melhores nem piores que outros artigos por aí. Ou produtos, se assim se preferir chamá-los. Mas trabalham com o imaginário e o simbólico, qualidades que nos transformaram em sujeitos culturais. Criados pelos Autores e Editores, os livros nos explicam como foi o passado, refletem sobre o presente e atendem a um chamado fundamental: o de Novos Futuros Melhores.


Daniela Padilha, Paulo Verano, Lizandra M. Almeida e Angela Mendes assinam o artigo 'A cabeça do editor do século 21: cadê a cabeça?' | © Lígia Guimarães
Daniela Padilha, Paulo Verano, Lizandra M. Almeida e Angela Mendes assinam o artigo 'A cabeça do editor do século 21: cadê a cabeça?' | © Lígia Guimarães
* Angela Mendes, Daniela Padilha, Lizandra Magon de Almeida e Paulo Verano são Editores interessados em Livros. Procurando novos caminhos com suas editoras Barbatana, Jujuba e Pólen, publicarão juntos em coedição em 2017.

[14/12/2016 10:59:00]