A cabeça do editor do século 21: cadê o glamour?
PublishNews, Rogério Alves*, 09/12/2016
Em artigo exclusivo para o PN, Rogério Alves, da Somos, desmistifica o lado glamoroso da vida de um editor

Outro dia, um aluno de edição me perguntou o que alguém deveria estudar para ser editor. Fiquei em silêncio por 20 segundos. Vi-me enroscado em um sério dilema. Ou alimentava a visão romântica do jovem, construída pelas histórias que ele ouvia e lia sobre autores e editores, ou acabava com toda a sua ilusão, respondendo a verdade sem dó nem piedade. Como é de minha natureza, fiquei com a segunda opção, pronto para assumir todas as consequências, fosse minha expulsão do curso ou a debandada geral dos estudantes. Fui direto e reto: um editor precisa começar por Marketing e, depois, se dedicar a outras disciplinas da Administração de Empresas. (Não incluo neste balaio os editores didáticos e científicos, obrigatoriamente especializados).

Hoje, histórias glamorosas de editores que vivem aventuras ao lado de autores que buscam o sublime por meio de sua arte são apenas anedotas perdidas no tempo. Na maior parte das vezes, os escritores não acreditam estar fazendo arte e os editores não encontram o sublime. No fundo, nem pensam nisso. Nem esses, nem aqueles. E, antes que a gritaria comece, há, ainda bem, alguns poucos autores privilegiados que continuam fazendo arte, assim como editores cujo foco é exclusivamente o literário. Vida longa a eles.

Mas isso não é preocupação da grande maioria dos editores. A cabeça do editor estima o número de páginas, o tempo de edição, negocia o preço com o fornecedor, adapta-se a novos cronogramas, participa de reuniões sobre estoque... Enfim. Os bastidores da vida editorial não são exatamente glamorosos. São construídos com engrenagens que não podem falhar. Como numa fábrica do início da revolução industrial, os operadores se labuzam de graxa, machucam as mãos e inalam fumaça tóxica para manter o ritmo de produção. O temido chefe é invisível, está em todos os lugares e, ao mesmo tempo, em lugar nenhum: a concorrência.

Neste contexto, a cabeça do editor precisa ser prática. O bom editor se orienta pelos quatro Ps do Marketing: produto, preço, promoção e praça. Na maior parte das vezes, não há espaço para o cuidado meticuloso com a tipologia ou com o tipo de acabamento. O editor deve ver o produto como um todo. Sim, produto. O editor precisa perder o pudor de chamar o livro de produto. Livro é produto. Ponto. Como qualquer outro, segue padrões de produção que, por sua vez, influenciam os custos e, logo, o preço e assim tornam-se produtos competitivos.

Ainda me surpreendo quando os jovens editores discutem comigo quando digo que não me importam as vírgulas. Viram o rosto e saem bufando. Editor, preocupar-se com as vírgulas é um luxo a que não podemos nos permitir. O editor contrata seus fornecedores exatamente para cuidar de vírgulas e de todas as outras tecnicidades. As vírgulas são fundamentais, sim, para revisores e preparadores.

A cabeça do editor precisa pensar o produto como um todo. Analisar todas as suas dimensões (olhe os 4Ps aqui) e entender o que é possível fazer para que o livro venda bem. Com a profissionalização das editoras, CEOs não se impressionam com texto bom, estrutura clara, exemplos reais, cases diferenciados, histórias comoventes, enredos mirabolantes ou linhagem vanguardista. As perguntas nas reuniões de apresentação de novos projetos são diretas: qual o público alvo? Quais os produtos concorrentes e como foram de vendas? Quais os números no exterior? Em que linha do nosso catálogo entra? Como está o autor nas redes sociais? Quanto esperamos vender? Muitas vezes, nem o título é perguntado. O produto vira um número, ou melhor, uma cifra na linha de produção.

Por isso, acompanhar o comportamento dos consumidores e conhecer as teorias a respeito do tema, mesmo que para questioná-las, são obrigações do editor. E cada linha de negócio possui seus diferentes consumidores. A cabeça do editor que produz para o varejo, por exemplo, é ligeiramente diferente da daquele que produz livros universitários. De qualquer forma, com mais ou menos especificidades, as linhas de raciocínio são as mesmas. Não há espaço para o gosto pessoal. As tendências ditam muitas das ações editoriais. O produto precisa sair, entre outras coisas, com uma capa que se comunique com os seus consumidores, que chame atenção nas lojas, que passe a imagem de integridade ao produto e, ao mesmo tempo, que não impacte negativamente o preço.

Encontrar o equilíbrio entre as variáveis faz do editor um verdadeiro Gerente de Produtos. Na linha de produção diária, o Gerente de Produtos administra dezenas de itens diferentes todo mês, ajustando cada um deles de acordo com os vários públicos. Aprende a comemorar quando o título entra nas listas de mais vendidos e aguenta as consequências quando não figura entre os vinte mais. E cadê o glamour? Ninguém sabe, ninguém viu.


* Rogério Alves é gerente de Ensino Superior e Trade do Grupo Somos Educação / Saraiva.

[09/12/2016 08:48:00]